Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
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sexta-feira, 2 de maio de 2008

Dos Princípios da Vida e Sobre como Evitar os Efeitos Deles em Nossas Vidas

Caríssimos e inestimados amigos e queridos leitores deste ligeiro informativo dos processos não-naturais e não-saudáveis que se dão em algum dos cantos acolchoados sob o teto opressivo na já tão querida e tradicional cela imanada em alguma transcendência do manicômio por todos e por nenhuma pessoa conhecido como "realidade consensual", isolado da realidade pelos ditirambos de Matrix. Enquanto este humilde cronista das coisas reais sem realidade e das verdades sem palavras permanecer pensando ele continuará existindo, de acordo com o bom e nobre amigo Renée Descartes - não que ele faça muita questão disso, mas de vez em quando estar em do lado de cá dos véus de Maya é algo interessante. E enquanto ele existe vai percebendo uma coisa muito curiosa: as coisas passam.
Isso mesmo: as coisas passam - um conhecimento extremamente trivial para todos aqueles que olham pela janela do ônibus enquanto ele se movimenta, por exemplo. Se vocês preferirem eu ponho a questão em outras palavras: as coisas se movem; as coisas mudam; nada dura para sempre; "nada como um dia depois do outro"; nada é eterno; etc. Nada aparentemente muito importante ou profundo, meus caros, mas são justamente essas coisas que inspiram as mais profundas e interessantes reflexões possíveis à mente humana (ou as piores e mais superficiais, dependendo do indivíduo que se dedica a essa atividade).
Mas a atividade de um amante da sabedoria não deve se restringir às coisas óbvias e triviais - deve-se partir delas para alçar as alturas ou as profundidades, e não usá-las como desculpa para permanecer na superfície da questão. Assim não basta a um maluco, quer dizer, um amante da sabedoria detectar essas coisas, mas ele deve refletir sobre elas. "Por que ele deve refletir sobre elas?", vocês perguntariam. Não sei responder essa pergunta, mas eu sei que ela tem a mesma resposta da pergunta "por que os pássaros voam?" - é algo maior do que todos nós, um imperativo que vem do fundo da alma e dirige todos os nossos atos, e é por isso que eu digo que Filosofia é coisa de maluco. Se me permitem uma metáfora, qualquer um que tenha escutado a Primeira Canção dos Ainur, Ainulindalë, vai viver por essa Canção, e ela o inspirará para todo o sempre - mesmo tendo Melkor feito caquinha.
Embalado pela Primeira Canção, pus-me a refletir sobre as coisas que eu via passando velozmente pela janela de um ônibus na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, no qual eu estava. Eu particularmente não gosto de pensar porque o Pensamento revela a Verdade e a Verdade provoca o fim das ilusões que nos agradam, mas há algo mais forte que eu que me obriga a pensar e me dita as conclusões. Percebi que há muita validade naquela canção do Lulu Santos, Como Uma Onda: "Tudo que se vê não é/Igual ao que a gente/Viu há um segundo/Tudo muda o tempo todo/No mundo". As coisas passam, um segundo não é como o que veio antes dele e não será como o que virá depois. Um segundo que passa é irrecuperável, perde-se nas brumas do Tempo, dissolve-se em menos que nada.
"Um dos princípios que rege este mundo é a efemeridade das coisas", pensei de imediato. As coisas são transitórias, não duram mais do que um simples suspiro na Longa Noite. Lojas que eu sempre quis visitar faliram antes de eu conhecê-las. Pessoas com as quais eu sempre quis puxar algum assunto não estão mais lá. O segundo que passou levou mais coisas do que eu gostaria que levasse, e deixou, em seu tempo, menos do que eu precisava dele. Passamos os segundos sempre com essa sensação de perda, de prejuízo - e nada fica para compensar esse vazio que nos resta, essa sensação de incomplitude e de estar oco que é mais terrível que o pior dos nossos medos. No fim: nada fomos, nada somos, nada seremos, pois tudo isso será levado insensivelmente pelo segundo seguinte, que não deixará nada em troca.
Essa efemeridade das coisas leva fatalmente a uma ausência total de sentido nas coisas, um vazio existencial que conduz à questão: "qual é o sentido das coisas, se tudo o que há está fadado ao oblívio eterno em mais ou menos segundo e será como se nunca tivesse estado na Memória dos homens?" E não há pensamento, intuição ou revelação que consiga resolver este quase paradoxo: no fundo, se a vida é destituída de sentido, vivemos apenas para continuar vivendo - o que é extremamente verdadeiro nos grandes centros urbanos. Para muitos é a maior das bênçãos não ser capaz de enfileirar dois pensamentos e extrair alguma conclusão lógica válida a partir deles, mas para aqueles que, como eu, foram amaldiçoados com o dom do pensamento é terrível viver sob esse peso: saber que as coisas são destituídas de sentido, de propósito, de motivo, e não poder fazer quase nada para mudar esse mundo cruel e opressivo em que vivemos subjugados a essa lei anti-natural.
Mas olhando ao meu redor vi que existe apenas duas formas de se atribuir sentido a este mundo louco em que vivemos. A primeira é para alguns falsa e ilusória: acreditar em poderes superiores que a tudo justificam simplesmente por existirem - tal como o Motor Imóvel de Aristóteles ou Deus no cristianismo. Sentir Fé, que explica as coisas relacionando-as com esses poderes superiores, é uma das melhores coisas que o homem possui, pois o impede de cair no abismo do niilismo total. Poder apelar para alguma explicação nos momentos em que se é pego sem nenhuma explicação racional possível ajuda a mente humana a não se desmantelar por completo em uma poça de paradoxos insolúveis. Como disse Dostoievski numa tentativa de formular esse paradoxo: "sem Deus, tudo é possível". Voltaire, por sua vez, formulou a saída para esse paradoxo: "Este Deus é tão maravilhoso e necessário que mesmo se ele não existisse seria necessário inventá-lo".
A outra forma é o Amor. Sem Amor o homem nada seria, conforme disse São Paulo aos Coríntios em um dos mais belos "discursos" de todos os tempos - a palavra "discurso" está entre aspas porque ele redigiu aquele texto, não o pronunciou. O Amor é de uma tal natureza que, assim como a Fé, se ampara em alguma coisa para justificar todas as demais - mas não necessariamente um poder superior. Podemos amar uma mulher ou um homem (conforme o gosto de cada um), nossas famílias, e cada um desses amores irá justificar todo o mundo que existe ao nosso redor. Percebamos que o Amor e a Fé não se excluem, mas se complementam - pois o que é a Fé senão o Amor pelos poderes superiores?
São esses os dois princípios da vida (a efemeridade e a ausência total de sentido) e as duas formas de contornar os efeitos desses princípios (o Amor e a Fé), conforme revelados a mim pelos ecos da Primeira Canção, que é a Canção do Pensamento.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara, É ISSO!

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