Manual de Instruções

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domingo, 18 de maio de 2008

3. Questão do Homem e do Ser Humano

Minha presente reflexão deve ser tal que, por si só, justifique todo o método de análise empregado nas minhas futuras reflexões. Com efeito, não posso ignorar um fato gritante em meus estudos, fato esse que certamente vale uma reflexão — e não qualquer reflexão, mas a primeira e fundamental, sobre a qual tentarei erguer todo o edifício de minhas idéias —, uma análise e um estudo o mais aprofundado quanto minhas capacidades me permitirem: não há a compreensão de nenhum fenômeno — e sequer eles podem ser dar a desvelar a um observador — que não seja pela via da consciência. Não falo de consciência como o cristianismo, mas falo de um outro tipo de consciência, mais elevada, limpa, pura, perfeita: o humanitas, o ser-além-humano.

Vamos começar esta análise pelo mais básico e fundamental; de fato, antes da consciência, devemos comentar um pouco nos efeitos que a falta dela provoca na humanidade. Antes de tudo, devemos procurar entender o que é a humanidade, e como se deve entender a palavra consciência no contexto deste escrito. Não pense que, com humanidade, eu estou falando da espécie humana como um todo, isto é, da criatura biológica, do animal Homo sapiens sapiens que rasteja pela superfície deste planeta há pelo menos dez mil anos. Não, não — seria um conceito muito pobre de "humanidade" para se ter... Eu raramente falo em termos corporais — eu quero apenas as melhores coisas, e o físico, o visível, é uma mera sombra do que há realmente de melhor (como diria Platão). Mas, então, o que seria "humanidade"? Se eu não falo do corporal, do físico, então o que ela seria para mim?

Essa questão é um pouco complicada para se por em palavras, embora ela tenha uma resposta muito simples. Ao desconsiderar a definição biológica do termo, eu recorro a uma das definições filosóficas de "humanidade" — "humanidade" como sendo um atributo mental. Em poucas palavras (e, como é comum a estas, insuficientes), a "humanidade" é aquilo que faz do homem ser humano. Mas, como eu disse anteriormente, poucas palavras são insuficientes para esta definição — é preciso saber agora o que é ser humano. Chamo à atenção o fato que não uso a expressão ser humano com o mesmo sentido que o vulgo usa — para este, a expressão é um mero sinônimo de "homem"; para mim, significa algo muito maior... Lembremos que a opinião do vulgo sobre o significado das palavras deve-se ao seu natural desconhecimento das coisas e como estas se dão a conhecer. Cego e desorientado pelas trevas em que vive, o vulgo nada mais faz que não seja prender-se às falsas aparências...

Pense comigo: quando falamos que uma pessoa é um médico, por exemplo, associamos a ela todos os atributos que se relacionam a um médico (a saber: conhecimento das doenças, do corpo do homem, e tantos outros atributos). Assim, podemos falar que ser médico é ser associado com todas essas características relacionadas a um médico, e que ser médico não é um nome (isto é, um agente ou uma coisa da qual se fala), mas um predicado (isto é, uma característica ou uma ação feita por um coisa) — associa-se um nome (geralmente uma pessoa) ao predicado ser médico, como, por exemplo, "Fulano é médico" — que se associa a nomes. Transportando o raciocínio ao ser humano, temos que não se trata de um nome composto (isto é, mais de uma palavra que pode fazer a função de um nome), mas de um predicadoser humano). que precisa de um nome para lhe conferir significação (isto é, para dizer quem desempenha a ação de

Mas, se ser humano é um predicado, e um predicado dá uma característica ou uma ação feita por alguma coisa, é lícito perguntar a que característica ou que ação ser humano se refere. Voltemos ao exemplo do médico. Quando nos referimos ao predicado ser médico, estamos nos referindo a uma ação desempenhada por um nome (o nome ao qual será relacionado o predicado ser médico) e a uma série de características associadas ao nome médico por outros predicados (ser conhecedor das doenças, ser conhecedor do corpo, etc.) e, que por meio do predicado ser médico, são associadas a outros nomes. Pois bem, de maneira análoga infere-se que o predicado ser humanohumano — pois, quando dizemos "Fulano é humano", associamos todas as características do nome humano (que foram associadas a este por outros predicados) ao nome Fulano, não importando quais sejam as características associadas ao nome humano. associa a um nome as características associadas ao nome

Parece que com isso chegamos a um dos pontos centrais da questão — que predicados são associados ao nome humano? Ou, que atributoshumano? Devemos, antes de qualquer coisa, distinguir claramente a que coisa queremos nos referir quando empregamos o nome humano — e tenha certeza que não chegaremos à mesma conclusão do vulgo aqui! Poderemos mais uma vez recorrer a poucas palavras e afirmar — humano é aquilo que está acima e além do homem —, mas ficaríamos na mesma — o problema, que era um, tornou-se dois, a saber: a que coisa se refere o nome homem, e de que maneira a coisa a que se refere o nome humano está acima e além daquela coisa a que se refere o nome homem. Mas, creia-me ainda que precisaremos escavar mais ainda nesta problemática, e temo que, realmente, devamos ficar com as poucas palavras e aceitar a divisão do problema. A outra hipótese — supor o significado do nome homem e a partir daí continuar a análise — não será usada devido ao desejo de rigor, necessário a quem se propõe a refletir. Tomarei então as duas questões levantadas como sendo fundamentais para a análise que procedo — a saber, a que coisa se refere o nome homem e de que maneira a coisa a que se refere o nome humano está acima e além da coisa a que se refere o nome homem. podemos associar ao nome

A que coisa se refere o nome homem é uma das poucas respostas para as quais umas poucas palavras bastam bem. Homem, ou criatura-homem, é o animal, o ser físico-biológico ao qual os cientistas chamam de Homo sapiens sapiens. Portanto, o nome homem se refere à criatura bípede, potencialmente onívora, capaz de locomoção, respiração, reprodução... e todos os outros atributos que se podem associar a esse animal — basta olhar de si para si com olhos críticos e aqueles serão encontrados. Percebam que a capacidade da linguagem e o pensamento (ou melhor, os predicados ser capaz da linguagem e ser pensante) devem ser deixadas de fora nesse estágio — elas não são características puramente animais para se enquadrarem no nome homem, e sim prenúncios do que está por vir ainda. O nome homem designa pura e simplesmente o ser animal, que satisfaz apenas suas necessidades animais e todas as outras complementares a estas. Aliás, o predicado ser animal é predicado do nome homem — o que implica no caráter pré-pensamento e pré-linguagem em que a coisa a que se refere o nome homem está.

Precisamente, o nome homem, por estar associado ao predicado ser animal, tem todas as características desse predicado e — por estarmos definindo a coisa a que o nome homem se refere como sendo o animal físico-biológico — e nenhuma característica a mais vinda de outros predicados — isso é bem intuitivo, mas ainda assim a podemos explicar. A definição da coisa a que o nome homem se refere restringe-se a duas palavras apenas: "animal" e "físico-biológico". Descartemos a última, por ser um adjetivo da primeira — e adjetivos só dizem das palavras às quais se ligam um dos modos como estas aparecem —, e ficamos com um único nome — o nome animal. Assim, pela definição, apenas as características do nome animal podem ser associadas ao nome homem, e nenhuma característica que não seja associada ao nome animal pode ser associada ao nome homem — pois, de fato, apenas o nome animal se liga ao nome homem por meio do predicado ser animal.

Cumprida a tarefa de definir a que coisa se refere o nome homem, podemos então passar para a próxima questão — como a coisa a que se refere o nome humano está acima e além da coisa a que se refere o nome homem. Recapitulemos aqui que a coisa a que se refere o nome homem não passa de mais um animal entre tantos, indistingüível dos outros a não ser pelo seu nome e pelos seus predicados, e que excluímos os predicados ser capaz da linguagem e ser pensante da lista dos predicados associados ao nome homem — pois de fato, o nome homem não os têm. Agora cabe a pergunta: por que separamos esses dois predicados dos demais? Por que esses predicados não são predicados associados ao predicado ser animal, e, por isso, não podem ser associados ao nome homem, conforme demonstramos anteriormente. Mas isso ainda não responde a questão proposta.

O nome homem se refere a uma coisa com predicados específicos e que lhe são próprios. Por meio desses predicados, a coisa a que se refere o nome homem se torna distinta de todas as outras coisas que não são sinalizadas pelo nome homem. Agora, se associarmos predicados ao nome homem, deixaremos de nos referir à coisa sinalizada pelo nome homem, mas estaremos nos referindo a uma coisa completamente distinta — estaremos obtendo uma coisa além daquela a que se refere o nome homem, pois essa nova coisa nada mais é do que a coisa a que se refere o nome homem acrescida de novos predicados. Mas isso, por si, não responde a questão, ainda.

E se a coisa gerada pela adição de novos predicados à coisa a que se refere o nome homem for, em alguma instância — não devemos entrar ainda na questão sobre que instância —, melhor — não importando que características contenha esse predicado — do que a coisa original, é lícito afirmar que a coisa gerada é melhor do que a coisa geradora. Sendo lícita tal afirmação, poderemos ainda afirmar — a coisa gerada é mais melhor do que a coisa geradora — se com isso se desejar dizer que ambas as coisas podem ser predicadas com o predicado melhor, mas uma delas em maior grau do que a outra — uma comparação simples, como aquelas que até as crianças entendem. Ao afirmar — a coisa gerada é mais melhor do que a coisa geradora —, pode-se licitamente afirmar — a coisa gerada participa do predicado melhor pelo menos em um grau acima do da coisa geradora.

Atenção — em momento algum eu disse que características o predicado melhor transmite aos nomes com os quais se relaciona! Isso é importante, pois mostra que essa derivação é válida para quaisquer características que venham a ser transmitidas pelo predicado melhormelhor transmite aos nomes com os quais ele se relaciona — pois o fato de uma coisa estar um grau acima da outra se deve à relação que elas mantém entre si e com o predicado melhor, e não ao significado deste. Melhor pode ser inclusive um predicado vazio (isto é, um predicado que não transmite nenhuma característica aos nomes com os quais se relaciona), que o afirmado anteriormente ainda se verificará. aos nomes com os quais ele se relacionar. Não importa, em hipótese nenhuma, que características o predicado

A questão agora é identificar qual dos dois nomes — homem ou humanomelhor. É claro que temos interesse que tal identificação seja feita desconsiderando toda e qualquer característica do predicado ser melhor, pois assim garante-se a universalidade da análise — os particulares não interessam aos grandes de espírito. E, para tanto, dependeremos da relação que os nomes homem e humano guardam não apenas com o predicado ser melhor, mas também com o predicado ser superior — que intuitivamente perceberemos, caso estejamos realizando este pequeno estudo com a devida seriedade, é um predicado equivalente ao predicado estático, ou o predicado de estado, estar acima — e, portanto, desvendar como os nomes homem e humano se relacionam com o predicado ser melhor é desvendar como esses nomes se relacionam com o predicado estático estar acima. — participa em maior grau do predicado

Quero, neste ponto, incluir um pequeno comentário acerca dos dois tipos de predicados com os quais estaremos lidando a partir deste ponto de nosso estudo. Podemos facilmente perceber que já na estrutura formal esses dois tipos se diferenciam: um deles se constrói em torno do verbo ser, e o outro, em torno do verbo estar. Mesmo lingüisticamente falando existe uma sensível diferença entre o significado principal desses verbos, como, aliás, todos nós sabemos: o verbo ser é usado para expressar identidades (chama-se aqui identidade toda e qualquer oração que possua a estrutura formal S é P, identificando todos os instantes de um sujeito, ou nome, S a um predicado P), enquanto o verbo estar é usado para expressar estados (chama-se aqui estado toda e qualquer oração que possua a estrutura formal S está P, associando um predicado P a um instante do sujeito, ou nome, S). O verbo ser, portanto, identifica um predicado a um sujeito, ou diz que determinado sujeito S tem em si o predicado P. Já o verbo estar não traça essa identidade, mas compara um determinado aparecer do sujeito S ao predicado P. Chamemos os predicados que possuem a forma ser P de predicados identificadores (ou de identidade), e os predicados que possuem a forma estar P de predicados estáticos (ou de estado).

Postas essas considerações, podemos aprofundar nosso nível de investigação. Se estar acima é um predicado estático, podemos inferir facilmente — mas com o mais profundo equívoco que o céu e a terra jamais viram — que os dois nomes, homem e humano, participam ora em mais grau desse predicado, ora em menos. Isso significaria dizer que poderemos ter ora o nome homem participando mais do predicado estar acima que o nome humano, ora o inverso. Mas neste caso em questão não estamos habilitados a fazer essa simples redução, pois não ainda refletimos sobre a equivalência entre o predicado estático estar acima e o predicado identificador ser superior.

Devemos detalhar um pouco essa equivalência. É imediatamente óbvio que o predicado estar acima associando um instante do predicado ser superior a um nome, enquanto o predicado ser superior associa todos os seus instantes ao nome com o qual se relaciona. Intuitivamente se chega a uma espécie de escalonamento entre esses dois predicados da ordem de abrangência, ou, em outras palavras, o predicado ser superior é mais abrangente que o predicado estar acima. E todo o diferencial deste ponto do estudo é essa questão da abrangência. Pois, se há uma equivalência entre esses dois predicados, ela não se processa no campo da abrangência e, por conseguinte, nenhuma redução como a exposta acima poderia funcionar.

Tal equivalência se perde também no domínio do tempo, pois enquanto o predicado estático estar acima se refere a um determinado instante do nome, o predicado identificador ser superior se refere a todos os instantes do nome. Se voltarmos à definição de predicado estático e predicado identificador, perceberemos que o exposto acima é tão intuitivo que sequer precisaria ser dito, mas, por mero critério de clareza, retomo aqui esse ponto. Quando se diz que um predicado estático associa um predicado a um determinado instante de um sujeito, significa dizer que para aquele instante no qual se faz a predicação o predicado está associado ao sujeito. Não há nenhum compromisso com nenhum instante que não seja o dado instante no qual se faz a predicação. Já o predicado identificador associa o predicado a um sujeito de tal forma que a predicação é válida para todos os instantes válidos para uma predicação.

Percebemos, então, que a equivalência não se processa no domínio da abrangência, tampouco no do tempo. Mas, afinal, de qual forma se dá essa equivalência? Se nos lembramos bem de nossas primeiras reflexões neste texto, os predicados associam características aos nomes. Pois bem, se a equivalência não se processa no domínio do tempo nem no domínio da abrangência, resta a essa equivalência processar-se no domínio dos conteúdos dos predicados. E então chegamos a um ponto que, intuitivamente, percebe-se a equivalência entre eles realiza-se justamente nesse domínio. Mas é igualmente intuitiva a percepção de que a equivalência entre esses predicados realiza-se apenas nesse domínio e em nenhum dos outros dois domínios analisados aqui. Portanto, concluímos que a equivalência entre esses predicados se limita ao conteúdo dos mesmos.

Posto isso podemos continuar a análise a que nos propomos antes dessas definições, a saber, como os predicados ser homem e ser humano se relacionam com o predicado ser superior. Concluímos antes que a coisa gerada participa do predicado ser melhor em pelo menos um grau acima da geradora, e também concluímos que o predicado ser homem pode gerar um predicado que esteja além dele e, portanto, participa em pelo menos um grau acima do predicado ser melhor. A questão que se segue, depois dessas considerações, é saber se é possível gerar algum predicado novo a partir do predicado ser homem.

Lembremos que existem dois predicados que não parecem estar relacionados com o predicado ser homem: os predicados ser capaz de linguagem e ser pensante. Conforme exposto anteriormente, o predicado ser homem é gerado imediatamente do predicado ser animal e parece, por esse mesmo motivo, estar no mesmo patamar de predicados como ser porco, ser peixe ou outros predicados dessa linha. Como é empiricamente factual que aos nomes relacionados a esses predicados não se associam os predicados ser capaz de linguagem e ser pensante forçosamente se conclui que esses predicados não podem ser associados a outros predicados que estejam neste nível ainda.

Nada, porém, impede que esses dois predicados possam ser associados a outros, gerando assim predicados que estejam além, e participem em pelo menos um grau a mais do predicado ser melhor, dos predicados originais. Em outras palavras, é possível gerarmos a partir de um predicado qualquer um outro que participaria em pelo menos um grau a mais do predicado ser melhor e esteja além do predicado original acrescentando a este os predicados ser capaz de linguagem e ser pensante. Percebamos que esses predicados poderiam ser associados a qualquer outro predicado pré-existente — mas por algum mero acaso esses predicados foram associados ao predicado ser homem, gerando assim um predicado além e pelo menos em um grau melhor do que ser homem.

Pensemos agora: como poderíamos caracterizar precisamente o predicado ser humano? Mais precisamente, o que diferencia esse predicado dos demais? Pensemos, e fatalmente chegaremos à mesma conclusão que outros pensadores antes de mim já chegaram: são justamente os predicados ser capaz de linguagem e ser pensante. Para quem quiser se certificar disso basta que leia com atenção clássicos como Aristóteles, Descartes e outros dessa linha. Portanto o predicado ser humano é gerado a partir do predicado ser homem, ao se acrescentar a este os predicados ser capaz de linguagem e ser pensante. Pelo que já demonstrei anteriormente, é forçoso que o predicado ser humano esteja além do predicado ser homem e que participe aquele do predicado ser melhor em pelo menos um grau a mais do que este, e portanto tem-se demonstrado o significado do predicado ser humano, conforme se queria demonstrar.

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