Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
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P. S.: decifra-me ou devoro-te!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Digo isso mais uma vez...

Caríssimos amigos e inexistentes leitores deste pedacinho virtual de sanidade louca, eis uma questão que há tempos eu defendo: o capitalismo, como está, vai acabar destruindo a humanidade. Não por uma maldade intrínseca, até mesmo porque é um sistema que em teoria valoriza o esforço das pessoas e historicamente ele recompensou o esforço das pessoas durante sua primeira fase, mas pela própria evolução da coisa: hoje temos, em virtude do desejo de alguns de se apropriarem das riquezas que não foram geradas por ele mas por uma massa de trabalhadores seus assalariados, uma impessoalização das relações humanas. O homem é cada vez mais reduzido à condição de ferramenta viva de trabalho, e isso é preocupante aos meus olhos: essa é a definição que o Filósofo dá para "escravo". Ao mesmo tempo o homem vai se tornando uma ferramenta obsoleta aos olhos do próprio sistema, com o desenvolvimento tecnológico que nós temos. Pense, à guisa de exemplo, quantos funcionários do correio estão sendo subsituídos por um computador enquanto trocamos estas idéias. O capitalismo, que historicamente veio para o bem do homem (na medida que o libertava de vínculos feudais e fazia o reconhecimento do mérito) será a causa de sua ruína se continuar nesse ritmo. O capitalismo hoje não premia mais o esforço, não é mais uma meritocracia, mas sim premia a capacidade que o homem tem de explorar o homem. Você não precisa mais ser o melhor para ser rico, basta ter um pouco a mais de sorte do que seus concorrentes. Veja bem: entre os pobres existem muitas pessoas talentosas e que mereceriam uma recompensa baseada no nível de seus esforços, mas a Academia (vou tomá-la por exemplo por ser uma realidade mais próxima à nós) quis extinguir o curso noturno de Filosofia da UERJ - o mesmo em que leciona um gênio do nível do Luiz Carlos. E esse aviltamento da condição humana que estamos sofrendo não atinge apenas as camadas baixas da sociedade, pois basta olhar o quão neandertal está o comportamento dos filhos das elites, cuja diversão se resume, hoje, a tomar drogas, freqüentar boites e espancar prostitutas e travestis. É um mal estar geral da sociedade, porque o capitalismo já provou que é incapaz, atualmente, de recompensar o esforço das pessoas. Eu, de certa forma, compreendo a mente dessa juventude: se eu não preciso me esforçar como meu pai precisou, vou curtir a vida adoidado!
Neste contexto é até melhor que as pessoas sejam desestimuladas à pensar. Imagine como os terapeutas (esses funcionários do Estado, que se esforçam para reduzir os homens à mediocricidade do que a sociedade espera deles - o chamado "comportamento normal") faturariam se metade das pessoas do mundo tivessem ciência de sua condição miserável. As pessoas, adormecidas como estão, não sofrem com sua condição deprimente e, assim, conseguem ainda cumprirem suas funções na sociedade (como as rodas dentadas destituídas de identidade que são) e conseguem mesmo serem felizes. A ignorância é força, como propôs George Orwell naquele livro de Filosofia Social chamado 1984: "a ignorância é força, pois a consciência traz consigo a consciência da mediocricidade da condição humana, e com isso o sofrimento". Você pode perceber (uma simples pesquisa empírica) que quanto mais alienado for o cidadão, via de regra mais feliz ele consegue (isto é, tem o potencial para) ser. O adormecido típico consegue ficar feliz com praia, cerveja gelada e futebol aos finais de semana - mas será que isso alimenta o espírito desperto? É nesse sentido que eu chamo os terapeutas de funcionários do Estado, pois eles corrigem os problemas psíquicos das peças do sistema, mas prontamente qualifica-se como loucos aqueles que tem o potencial para mudá-la. Nós, estudantes sérios de Filosofia, sabemos que nossa felicidade deve ser construída com muito esforço, pois estamos conscientes dessa mediocricidade que é ser homem nos nossos dias e, como Nietzsche propôs, a felicidade só vai ser encontrada na superação do ser homem, na (agora são minhas palavras) transformação do homem em ser humano. Não sei se você reparou, mas raramente eu uso a expressão "ser humano", e isso é proposital: ser homem é fácil (basta ser um exemplar da espécie Homo sapiens sapiens), mas ser humano é muito mais difícil... a Terra tem mais de seis bilhões de homens, mas nem 1% disso de seres humanos. E é melhor que isso continue assim, haja vista a condição medíocre em que estamos presos neste mundo.
A nossa resistência a este cruel estado de coisas deve se dar agora no plano ideológico e retórico. Não podemos descer ao mesmo nível de barbarismo de nossos oponentes e, de alguma forma, vilipendiar aqueles a quem nos propusermos a ajudar. Nós temos apenas a pena como arma e o pensamento como munição. Andamos ao lado dos poetas e demais artistas, que nos fazem sonhar com um mundo melhor, mais colorido, mas somos nós, os pensadores marginais, a linha de frente da Revolução - que não deve ser uma revolução armada, mas se deve dar nas cadeiras das salas de aula e em outros locais de formação de novos membros da sociedade. E quem quiser mudar o mundo deve ter em mente duas coisas. A primeira é que lutamos não apenas contra uma esmagadora maioria, mas contra um mundo que quer que as coisas continuem como estão. A segunda é que Nosso Senhor veio trazer uma mensagem de paz e amor e acabou numa cruz - qual será o destino de quem pretende mudar revolucionariamente o mundo?
Mas realmente há a contrapartida do meu argumento: a maioria dos pobres querem continuar na pobreza. Por mais paradoxal que pareça, o Caminho está aí, aos olhos de todos, esperando quem quiser trilhá-lo. Hoje, mais do que em qualquer época, existem bibliotecas públicas (que o Estado faz questão de legar ao oblívio do mofo), museus de qualidade (quer dizer, de qualidade até sabe-se lá quando) e outros instrumentos que permitem ao homem tornar-se um ser humano. É claro que não se trata apenas de erudição, pois como disse Heráclito ao criticar Pitágoras (quer dizer, é isso que a minha memória me diz), "muito conhecimento não ensina sabedoria a ninguém", mas o conhecimento é necessário. Ele dá as ferramentas que o homem precisa para operar essa transvaloração que o Nietzsche implora que realizemos em nosso ser. Mas a mudança de atitude é algo mais do que necessário, pois nosso vir-a-ser é planejado no agora, e com certeza é algo além de simples ilustração. Um certo doutor lá da UERJ, que o Homero chamou outrora de Seuqram e assim eu o chamarei por questões particulares, é um ótimo exemplo de que apenas iluminação (no sentido do Iluminismo) não adianta para nada. E os pobres de hoje, em sua maioria, nem a iluminação querem - quanto mais proporem-se a uma mudança de comportamento. Penso que isso seja efeito colateral do "não-pensar" que impera na mente das pessoas de hoje (coisa distinta da "não-mente" dos personagens de um livro a ser publicado do Homero, posto que o "não-pensar" é o estado da morte do pensamento, da mente, a substituição disso pelo vazio), mas que se trata de um grande desperdício da obra de Nosso Senhor, com certeza é. Caímos no koan: os porcos chafurdam na lama porque querem, porque gostam ou porque não conhecem outra coisa?
Como não é segredo para ninguém, todos que tentaram fazer algo de bom pela sociedade ou apelaram para o marxismo (e criaram Estados monstruosos e inimigos de toda gente - principalmente de seus habitantes) ou não conseguiram nada. Infelizmente, parece que a mudança passa por aquele slogan do esoterismo em geral: a sociedade só vai mudar quando cada um de seus membros mudar em seu íntimo. E o que as pessoas menos querem é mudar. Aquela afirmativa do Descartes não deveria rezar apenas sobre o bom senso mas sobre a perfeição, e por isso eu tomo a liberdade de reescrevê-la: "a perfeição é algo tão bem distribuído entre os homens que nenhum deles reclama da parte que recebeu, e se acha o mais bem dotado nessa matéria". Aí entramos em uma situação interessante: a melhoria da sociedade deve ser responsabilidade dessa meia dúzia de quatro (que a sociedade execra, por serem seres pensantes) ou responsabilidade da sociedade como um todo (e acreditarmos em uma utopia maior ainda, isto é, que todos os homens vão se prontificar a mudar para melhor)? Eu não arrisco resposta para essa pergunta. Em primeiro lugar, sou um idealista, não nego, e meus sonhos por um mundo melhor poderiam intervir na resposta. Em segundo lugar, não podemos deslocar uma responsabilidade que deveria ser do Estado para seus cidadãos - agora, que podemos entregar o Estado nas mãos da meia dúzia de quatro, podemos com certeza. Em terceiro lugar, minha resposta poderia realmente ofender algum dos componentes da meia dúzia de quatro que porventura venha a ler este texto.

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