Manual de Instruções

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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Da Amizade (publicado originalmente em Intercessões - Grupo do Curso de Filosofia - Grupo do Google Groups no dia 02/07/2010)

Nota: o texto a seguir (chamo de texto não por demérito, mas porque não sei sob qual classificação recairia) foi publicado originalmente em Intercessões - Grupo do Curso de Filosofia - Grupo do Google Groups <intercessoes---grupo-de-filosofia@googlegroups.com> no dia 02/07/2010. Retransmito pela potência da reflexão e pela plástica sublime da mesma.

Da Amizade[1]

 

 

Estava a me por a pensar no valor da Amizade nestes dias que passam e encontrei em uma passagem de Cícero, que compõe com o pensamento que venho tentando ordenar, o que vai expresso nestas parcas linhas – que me atrevo, decididamente, a compor.

 

Necessário é refletir nessa questão, e, antes de tudo, pensar no que o velho Cícero ao definir a amizade – em aquele seu escrito De Amictia – nos traz a respeito de Cipião que "nunca se julgou superior a Filo, Rúpilio, Múmio ou outros amigos de condição inferior". Definitivamente, Amizade é àquilo que se compõe no tecido da imanência como sendo "a conquista do respeito de um ente por parte de outro". Lembro desta definição que me foi passada por meu Irmão Quintas, faz alguns anos, e cuja reverberação alcança minha alma nos dias presentes. Esses dias que já foram se superpõem e atravessam a lentidão em velocidade quântica. No seu próprio ultrapassamento, os dias promovidos a instantes leibnizianos realizam sucessões de vida e acontecimentos transversais, coloridos, paisagísticos.

 

E os últimos dias, das duas últimas semanas têm sido felizes e cheios de acontecimentos bergsonianos. Os quadros que em um dia são pintados, em outro não mais existem e dão lugar a novos quadros. O falso, como qualidade mor que a verdade pode possuir, apresenta as mais fantásticas razões de verossimilhança. Não seremos perguntados, ao término da travessia na barca do velho Caronte, se nossa vontade de verdade é superior a nossa vontade de beleza, pois para nós somente o falso é belo; e, se o falso é verdadeiro, então, apresenta-se aí, em uma arte grega e contraditória do discurso, toda nossa verdade e quando Platão atravessa a cidade o reverenciamos, da mesma forma que nos alegramos com as palestras de Górgias.

 

E não resta dúvida que a vida que nos anima é circunstância de um elo tão potente – e tão bem escolhido – que pode-se dizer que o verdadeiro apreço aí reside: está nos laços sinceros de amizade – e isto me lembra, nova-mente (em uma interpolação de Lacan e Platão), de O Banquete de Platão.

 

Essa vida é compartilhada na mesa dos acontecimentos infinitesimais! Ela é de cada um e de todos ao mesmo tempo! Ela se celebra em nós, conosco e na mesa que a suporta em sua velocidade de desintegração – pois que quântica, atravessa os instantes eternos do universo, se materializa, desmaterializa, retorna ao Big Bang, constitui essências vazias, pensa universos paralelos... E estes residem nos lugares onde ela, a mesa, potência metafísica que promove o Pensamento, se instala.

 

E as paisagens? Das mais belas ontem pude observar ao lado da Igreja. Próximo a nossa, havia uma mesa e nela potências da vida se manifestavam e instantes eternos se repetiam a um modo que o amor fati nietzschiniano apenas reforçava sua própria vontade de ser – e essa vontade afirmativa de ser repetia tal qual sinfonia o acontecimento puro, o Fiat Lux... A vida é exatamente o caminho de onde não se pode fugir porque "ama o teu destino, pois ele acontece, aconteceu e sempre acontecerá", pois ele se dá hoje, porém já aconteceu, e em outra oitava, de pura diferença, se repetirá e isto se dá para todo o sempre – e mesmo que esta imagem venha a irritar os mais ferrenhos e apegados a uma racionalidade, ela mesma, neste momento, é capaz de se entranhar no âmago do ser e promover terríveis transformações, pois aí não há verdade; há, apenas, sentido... Nenhuma categoria a dizer das coisas o que são.

 

E ao lado a Igreja residia uma vida cintilante e ela me observava, me convidava ao baile, também, eterno da vida em suas composições infinitas. E sou grato à vida por ter me notado. Já não sou mais personagem e, apesar, de ainda, não ser ente necessário, já inicio a me plasmar nas ilusões. Ser ilusão é se tornar necessário ao movimento. Apenas movimentos. Nenhum movente.

 

E a apreciação da visão da mesa que repousava ao lado da Santa Igreja repartia com esta, em uma arte grega de declamação na ágora, o contraste próprio da verdade que não precisa de porta voz para anunciar sua bela falsidade. Eram olhos profundos, emoldurados na brancura do bom mármore dos palácios que Adriano mandara construir no fim de sua vida e da mesma qualidade que o do templo que mandaram erigir quando de sua estada no Egito, a negra moldura e as vestes elegantes compunham a figura onde ambos os olhos se detiveram na eternidade do eterno.

 

E os Amigos? A vida, nesta fantástica projeção cinematográfica, me cercou de três bons e caros Confrades. Desde a aurora dos tempos caminho juntamente ao Nobre Rendano que com paciência e boa vontade romanas – não decaídas; cercadas da nobreza que somente a apreciação dos valores romanos reveste – explica-me as artes e desvela-me o gosto que está por trás de arquiteturas complexas, e, mais que minh'alma, é meu espírito que agradece as experiências que ganha através das vivências e reflexões de outro ao qual tive a honra de conquistar o respeito e a amizade. E meu Amigo estava dentre os três caros da noite em questão e sem suas presenças os prazeres estéticos aos quais me reporto com a alma cheia de deuses não seriam possíveis.

 

Disse que me arriscaria a escrever e sei que o resultado desta reflexão ainda não está a contento, porém, necessário é pontuar: a grande questão do discurso não é àquilo para o qual ele se reporta. O que se deve observar são os caminhos desviantes, os abismos, a direção do vento na noite escura e cheia de deuses a habitar os céus. A grande questão do discurso é que ele perde beleza ao invocar para si a verdade, e, se apenas me proponho a perguntar, e somente isto, então, disto da minimalidade vazia de uma analítica discursiva. Dou-me por satisfeito, pois resto na estrada. Caminho em direção a linha do horizonte. Nada há que não sejam cenários belos, bons personagens, lindas Igrejas, mesas onde a moldura negra conjunta a tez alva compõe com o olhar definido a cena do filme onde as possibilidades estão sempre para se dar em atos de pura vontade de potência. Amor é Lei, Amor sob Vontade, já dizia o velho leitor de Nietzsche.

 

 

H.F. Bandeira de Melo

Professor de Filosofia

nous.uerj@gmail.com



[1] Dedico estas linhas a meu Amigo e Irmão André Rendano da Costa Quintas. E que a homenagem singela, ofertada por este que mal sabe enfileirar duas palavras que o sejam, possa mais agradar o coração que servir de metrón para qualquer compilação que se possa fazer – e esta não é a proposição, pois, vacilante, acompanhei os ventos e, ainda, procuro porto seguro onde aportar, a fim de terminar esta reflexão a qual me propus.

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