Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
Caso você encontre em algum dos meus textos algo interessante e queira compartilhar com seus amigos ou em seu site, revista, jornal, etc., sinta-se à vontade. Basta indicar a fonte e recomendar a leitura do blog, e todos os textos que estão aqui estarão ao seu dispor.

P. S.: decifra-me ou devoro-te!

domingo, 10 de junho de 2007

Inconciliáveis o escambau!

O orkut tem até que alguma utilidade, caros amigos e inexistentes leitores. Dia desses eu estava passando por uma comunidade à qual eu pertenço e encontrei um tópico reclamando que Jesus e Filosofia parecem temas inconciliáveis. Eu, sentindo-me inspirado por Dionísio, o pai da Filosofia, resolvi escrever esse pequeno textinho. Quem quiser ver a discussão em seu contexto original pode clicar aqui.

Inconciliávies o escambau!
Caro Francisco
Antes de mais nada eu gostaria de apontá-lo que esse tipo de discussão não é muito pertinente em uma comunidade que trata da Filosofia da Linguagem; sugiro que você procure uma comunidade que trate de Filosofia da Religião ou algo semelhante. No entanto, a discussão que esse tema suscita nos meios filosóficos tem tamanho vulto que não posso me furtar de comentar alguma coisa aqui. Espero que ninguém entenda o meu texto como um ataque: eu escrevo na mais respeitosa das intenções, a saber, mostrar ao nosso caro amigo Francisco que Jesus e Filosofia podem conviver na mesma cama, por assim dizer.
Existe uma ampla discussão na Filosofia não apenas sobre as idéias de Jesus, Buda e Gandhi, mas também sobre qualquer forma de pensamento religioso existente. De fato, o início da Filosofia foi marcado por discussões sobre a religião da Grécia arcaica (século VII a. C.), entre outros temas. Na verdade, a Filosofia desta época criticava algumas das posturas que o culto oficial tinha, mas isso não tem tanta importância assim; com efeito, o que mais importa é que pela primeira vez o pensamento religioso estava sendo estudado por um canal que não fosse a fé. Esse movimento por uma "teologia racional", isto é, a discussão do pensamento religioso sem o uso dos dogmas religiosos, é um dos fios condutores da Filosofia grega clássica, culminando no grande mestre Platão.
Mas foi a Idade Média o período em que os filósofos mais se debruçaram sobre o pensamento religioso, tentando explicar e desenvolver os dogmas da fé católica por meio do uso da razão. Para esses pensadores (notadamente Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino) a razão era a prova irrefutável da existência de uma centelha divina no homem e, por ter origem divina, serviria para reconduzir o homem ao Pai celeste. é nesse período que encontramos as mais ricas análises filosóficas da religião cristã, e mesmo os seminários protestantes e pentecostais usam ainda os livros escritos pelos mestres daquele tempo. Para aqueles que duvidarem de minhas palavras, sugiro a leitura de três livros escritos pelos Santos Doutores da Igreja: As Confissões e Cidade de Deus, de Santo Agostinho; e a Suma Teológica, de Santo Tomás.
A Idade Moderna encara com vigor renovado essa árdua tarefa de conciliar o divino com o humano, motivada principalmente pelas transformações religiosas pelas quais a Europa passava no momento. Para aqueles que já não se lembram das aulas do Ensino Médio, é nesse período que temos a Reforma de Lutero e a Contra-Reforma dos jesuítas, e também no campo das idéias os católicos e protestantes encontraram espaço para suas contendas. Esse período foi fértil quanto a discussões filosóficas sobre a divindade, mas destaco aqui um moderado John Locke, com sua Carta Acerca da Tolerância, onde ele defende a liberdade de culto religioso, e Renée Descartes, que por meio de seu método e Meditações busca provar de maneira irrefutável (isto é, lógica, matemática e filosoficamente) a existência de Deus. É certo dizer que podemos enquadrar o exercício filosófico de Kant no tocante à religiosidade aqui, bem como encontramos também Berkeley, um pouco de Hume e o grande Leibniz aqui. No final da Idade Moderna temos os Iluministas, que se dividem em teístas radicais (como Voltaire) e religiosos fanáticos (como Rosseau e Pascal), mas a discussão filosófica sobre a divindade ainda é presente mesmo nos salões onde se discute como a Razão poderá salvar o mundo das trevas da ignorância.
A Idade Contemporânea toma seu lugar à mesa de discussões sobre o tema dividindo-se igualmente entre a crítica ao cristianismo de Nietzsche, a negação de uma divindade por Marx, a adoção da Humanidade como verdadeiro Deus por Comte e o ateísmo dos fenomenólogos e existencialistas. Mas Deus não deixou de ser objeto de discussões na Filosofia antes do advento de Wittgenstein e sua análise lógica da linguagem. Ironicamente, caro Francisco, você colocou seu comentário sobre Jesus e Filosofia numa comunidade sobre o ramo da Filosofia que baniu Deus da discussões filosóficas, e por isso eu lhe sugeri que postasse seu comentário em uma comunidade sobre Filosofia da Religião ou qualquer coisa semelhante.
Em resumo, perceba, meu caro, como os dois temas não são excludentes - aliás, é fato recente que as discussões sobre Deus na Filosofia tenham sido postas de lado. Poderemos discutir sobre isso em outro lugar; por ora, ficam estas palavras.

Beijundas!

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