Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
Caso você encontre em algum dos meus textos algo interessante e queira compartilhar com seus amigos ou em seu site, revista, jornal, etc., sinta-se à vontade. Basta indicar a fonte e recomendar a leitura do blog, e todos os textos que estão aqui estarão ao seu dispor.

P. S.: decifra-me ou devoro-te!

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Imaginário Popular Acadêmico - Pergunta que não quer calar...

Amigos e inexistentes leitores. Eu estava pensando em algumas associações que o senso comum acadêmico faz, e reparei ser consenso que:
Engenheiro é um retardado mental;
Historiador é maconheiro;
Filósofo é vagabundo e maluco;
Artista Plástico é viado;
Enfermeiro(a) é garoto(a) de programa;
etc.

Engraçado isso, em um lugar em que se esperaria que não houvesse um senso comum ele se faz presente com toda a sua força...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

A Diferença entre o Significado e o Valor de Verdade de uma Proposição: Como Dizer o Não-Ser

Caros amigos e inexistentes leitores, hoje eu retorno a postar aqui no Tarja Preta temas um pouco mais sérios. Tomei essa decisão inspirado em uma das comunidades do orkut da qual participo, Filosofia da Linguagem – mais precisamente, um tópico em que eu desenvolvi uma breve demonstração da distinção entre o significado de uma proposição e seu valor de verdade. Observando essa diferença, ignorada desde Parmênides e seu célebre "pois pensar e ser é o mesmo", podemos afirmar que é possível sim afirmar proposições falsas, isto é, que possuam valor de verdade negativo, mas que ainda possuam sentido. Na comunidade (clique aqui para ler a discussão em seu contexto original) eu desenvolvi os argumentos com pressa e resumidamente, como deve ser em uma discussão no orkut; aqui eu pretendo explicar com mais calma essa questão e, quem sabe, clarear um pouco essa questão na mente dos senhores.
A primeira coisa que temos que ter em mente quando falamos em linguagem é o conceito de proposição – e assim eu devo, também, proceder para que meu raciocínio seja claro e inteligível. Por proposição estou entendendo uma figuração verbalizável de um estado de coisas possível, não necessariamente atualizado, isto é, uma representação do tal estado de coisas que pode ser transcrita para algum meio de expressão verbal. Por sentido de uma proposição eu estou entendendo como sendo o estado de coisas que a proposição figura. Por estado de coisas eu estou entendendo qualquer possível combinação de objetos do mundo, quer essa combinação aconteça factualmente ou não. Por objetos eu estou entendendo as entidades que compõem o mundo e lhe conferem substância, sejam eles materiais ou não. Não cabe, no âmbito desta discussão, apontar quais são os objetos do mundo – isso é tarefa para aqueles que desejam ver utilidade prática e imediata em tudo aquilo que lêem, e, sinceramente, não é do meu interesse desvelar todo o jogo das caixinhas para vocês.
Bem, agora que foi estabelecido o sentido das expressões que serão muito usadas ao longo deste texto, vamos ao argumento – ele é simples em sua aparência, mas requer dos leitores algum conhecimento de lógica para compreender os passos que estejam sendo dados. Tomemos uma proposição p qualquer que figure um estado de coisas a qualquer. Se ela possui sentido (isto é, se ela é inteligível para qualquer falante competente do idioma no qual p é proferida), então p é uma figuração de a, quer a seja apenas possível, quer seja atualizado. O valor de verdade de p não depende de seu sentido, isto é, da configuração de a, mas sim do fato de a ser apenas possível ou ser atualizado. Por exemplo, é patente que a proposição "o Lula é um político honesto" seja falsa, mas somos capazes de compreendê-la porque conseguimos juntar os objetos Lula, político e honesto em um mesmo estado de coisas – o que prova que esse estado de coisas é possível, embora não atualizado. Assim sendo, temos que o sentido de uma proposição é independente do seu valor de verdade.
Aí entramos no famoso paradoxo de Russell, aquele que diz que não se pode determinar o sentido da proposição "eu estou mentindo", pois se ela for verdadeira, o falante estará mentindo e se ela for falsa o falante estará dizendo a verdade. Mas em conformidade com o que eu estabeleci anteriormente eu digo que é possível, sim, determinar o sentido desta proposição, e ele vai depender única e exclusivamente do fato do falante estar mentindo ou não – e independe do valor de verdade dessa proposição. Qualquer um consegue compreender essa proposição, isto é, imaginar um estado de coisas que seja descrito por ela. Para se determinar o valor de verdade de "eu estou mentindo", é preciso olhar para este estado de coisas e verificar se ele é apenas possível ou é atualizado. Para "eu estou mentindo" ser verdadeiro, o falante deve estar falando algo verdadeiro.
Nesse ponto temos o "pulo do gato": apelando para a significação da proposição, se esta for verdadeira de fato o falante vai estar mentindo, e se a proposição for falsa ele vai estar dizendo uma verdade. Assim, se a proposição "Eu estou mentindo" é verdadeira, o sentido da proposição - o falante estar mentindo - se realiza: ele mente ao dizer que mente, logo o estado de coisas descrito pela proposição se realiza e, por isso, a proposição é verdadeira. Se a proposição é falsa temos que o sentido da proposição não se realiza: o falante não mente ao dizer que mente, logo o estado de coisas descrito pela proposição não se realiza e, portanto, a proposição é falsa.

domingo, 10 de junho de 2007

Eu gostei desse lance de inspirado por Dionísio...

Não estranhem não, caros leitores, mas eu gostei tanto desse lance de estar inspirado por Dionísio que eu vou usar isso mais algumas vezes aqui neste espaço de loucura primordial.

My sanity was sent to Davy Jones' Locker!

Inconciliáveis o escambau!

O orkut tem até que alguma utilidade, caros amigos e inexistentes leitores. Dia desses eu estava passando por uma comunidade à qual eu pertenço e encontrei um tópico reclamando que Jesus e Filosofia parecem temas inconciliáveis. Eu, sentindo-me inspirado por Dionísio, o pai da Filosofia, resolvi escrever esse pequeno textinho. Quem quiser ver a discussão em seu contexto original pode clicar aqui.

Inconciliávies o escambau!
Caro Francisco
Antes de mais nada eu gostaria de apontá-lo que esse tipo de discussão não é muito pertinente em uma comunidade que trata da Filosofia da Linguagem; sugiro que você procure uma comunidade que trate de Filosofia da Religião ou algo semelhante. No entanto, a discussão que esse tema suscita nos meios filosóficos tem tamanho vulto que não posso me furtar de comentar alguma coisa aqui. Espero que ninguém entenda o meu texto como um ataque: eu escrevo na mais respeitosa das intenções, a saber, mostrar ao nosso caro amigo Francisco que Jesus e Filosofia podem conviver na mesma cama, por assim dizer.
Existe uma ampla discussão na Filosofia não apenas sobre as idéias de Jesus, Buda e Gandhi, mas também sobre qualquer forma de pensamento religioso existente. De fato, o início da Filosofia foi marcado por discussões sobre a religião da Grécia arcaica (século VII a. C.), entre outros temas. Na verdade, a Filosofia desta época criticava algumas das posturas que o culto oficial tinha, mas isso não tem tanta importância assim; com efeito, o que mais importa é que pela primeira vez o pensamento religioso estava sendo estudado por um canal que não fosse a fé. Esse movimento por uma "teologia racional", isto é, a discussão do pensamento religioso sem o uso dos dogmas religiosos, é um dos fios condutores da Filosofia grega clássica, culminando no grande mestre Platão.
Mas foi a Idade Média o período em que os filósofos mais se debruçaram sobre o pensamento religioso, tentando explicar e desenvolver os dogmas da fé católica por meio do uso da razão. Para esses pensadores (notadamente Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino) a razão era a prova irrefutável da existência de uma centelha divina no homem e, por ter origem divina, serviria para reconduzir o homem ao Pai celeste. é nesse período que encontramos as mais ricas análises filosóficas da religião cristã, e mesmo os seminários protestantes e pentecostais usam ainda os livros escritos pelos mestres daquele tempo. Para aqueles que duvidarem de minhas palavras, sugiro a leitura de três livros escritos pelos Santos Doutores da Igreja: As Confissões e Cidade de Deus, de Santo Agostinho; e a Suma Teológica, de Santo Tomás.
A Idade Moderna encara com vigor renovado essa árdua tarefa de conciliar o divino com o humano, motivada principalmente pelas transformações religiosas pelas quais a Europa passava no momento. Para aqueles que já não se lembram das aulas do Ensino Médio, é nesse período que temos a Reforma de Lutero e a Contra-Reforma dos jesuítas, e também no campo das idéias os católicos e protestantes encontraram espaço para suas contendas. Esse período foi fértil quanto a discussões filosóficas sobre a divindade, mas destaco aqui um moderado John Locke, com sua Carta Acerca da Tolerância, onde ele defende a liberdade de culto religioso, e Renée Descartes, que por meio de seu método e Meditações busca provar de maneira irrefutável (isto é, lógica, matemática e filosoficamente) a existência de Deus. É certo dizer que podemos enquadrar o exercício filosófico de Kant no tocante à religiosidade aqui, bem como encontramos também Berkeley, um pouco de Hume e o grande Leibniz aqui. No final da Idade Moderna temos os Iluministas, que se dividem em teístas radicais (como Voltaire) e religiosos fanáticos (como Rosseau e Pascal), mas a discussão filosófica sobre a divindade ainda é presente mesmo nos salões onde se discute como a Razão poderá salvar o mundo das trevas da ignorância.
A Idade Contemporânea toma seu lugar à mesa de discussões sobre o tema dividindo-se igualmente entre a crítica ao cristianismo de Nietzsche, a negação de uma divindade por Marx, a adoção da Humanidade como verdadeiro Deus por Comte e o ateísmo dos fenomenólogos e existencialistas. Mas Deus não deixou de ser objeto de discussões na Filosofia antes do advento de Wittgenstein e sua análise lógica da linguagem. Ironicamente, caro Francisco, você colocou seu comentário sobre Jesus e Filosofia numa comunidade sobre o ramo da Filosofia que baniu Deus da discussões filosóficas, e por isso eu lhe sugeri que postasse seu comentário em uma comunidade sobre Filosofia da Religião ou qualquer coisa semelhante.
Em resumo, perceba, meu caro, como os dois temas não são excludentes - aliás, é fato recente que as discussões sobre Deus na Filosofia tenham sido postas de lado. Poderemos discutir sobre isso em outro lugar; por ora, ficam estas palavras.

Beijundas!

sábado, 9 de junho de 2007

Oração a Pai Preguiça

Pai Preguiça que estás na rede
Santificado seja o vosso sono
Seja feita a vossa cama
Assim na casa como no quarto
O descanso nosso de cada dia nos dai hoje
Perdoai os nossos trabalhos
Assim como nós perdoamos
Aqueles que têm se esforçado
E não nos deixei servir a um patrão
Mas livrai-nos do emprego

Amém

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Enchendo o Hegel de cerveja

Caros amigos e inexistentes leitores deste pequeno espaço virtual do manicômio da vida, eu gostaria de compartilhar com vocês um fenômeno que me atravessou hoje, e que serviu para confirmar uma antiga tese de minha carreira filosófica: para falar de Hegel, somente enchendo o Hegel de cerveja.
Tudo começou quando uma amiga minha me pede ajuda para entender Hegel; segundo ela, ninguém para quem ela pedira antes de mim se dispôs a ajudar. Eu nunca fui muito entendido nas teorias desse cara, e sinceramente não li dele nada que não fosse a Fenomenologia do Espírito, mas como qualquer um que vê Hegel pela frente vê a questão do Absoluto em primeiro lugar, eu achei que seria fácil até falar algumas coisinhas. Em parte (quer dizer, na maior parte) eu aceitei ajudar porque fiquei com pena dela, ainda que eu diga que não se deve ter pena de ninguém, visto que os senhores são dignos de consideração e os escravos, de orientação; simplesmente não se deve culpar alguém por causa do estado de coisas em que esse alguém esteja inserido. Pena realmente não é uma boa palavra; consideração soa bem melhor, e é mais consonante com o que eu senti no maldito momento em que eu disse "sim". Como consolo, esse sim não foi dito em um contexto de casamento, e por isso suas conseqüências não podem ser tão definitivas quanto. Simplesmente eu pedi que ela me arranjasse uma cópia do texto que a professora estava trabalhando que eu leria e daria uma luz sobre o assunto.
Vocês com certeza são capazes de imaginar como eu gelei quando, no lugar da Fenomenologia, ela jogou, alguns dias depois, na minha frente a Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio, volume II. Eu nem sabia que esse livro existia, para ser sincero com todos vocês. Aí eu caí em mim, e me certifiquei mentalmente: "é, você fez merda". Eu tive o estado de espírito firme o bastante para perguntar: "mas o que vocês estão vendo de Hegel?"
- O conceito de espaço e de tempo, filosofia da natureza.
"Fudeu de vez", eu pensei. "Eu nunca estudei isso em Hegel na minha vida." Só que, uma vez que promessa é dívida, eu perguntei quando poderíamos marcar para discutirmos esses conceitos (e mentalmente pedindo a quem quisesse me ouvir para que ela marcasse uma data muito ao longe e esquecesse posteriormente). Era uma terça-feira; ela marca na sexta-feira da mesma semana. "Bonito, doutor", eu pensei, "é por causa disso que você se fode sem nem mesmo sentir." Enfim, eu cometi um ato sacrílego que eu nunca tinha feito na minha vida: eu estudei. Perdoai-me, oh Mãe Vagabundagem, oh Pai Preguiça, porque eu pequei diante de vós! Mas promessa é dívida, então vamos nós. E para uma coisa essa leitura me adiantou: encontrei argumentos para dizer porque Hegel não diz coisa com coisa! É realmente interessante ver como alguém gasta tanto papel para dizer alguma coisa que muito bem caberia em uma pichação de muro - e gasta papel para dizer coisas que são completamente destituídas de sentido. Realmente, os problemas tradicionalmente filosóficos não são de fatos problemas filosóficos, eles nascem da má-compreensão da lógica de nossa linguagem...
Mas enfim, chegando o dia fatídico eu vou para a casa da madame já no clima de falar e ser o que tiver que ser. Não vou dizer que entendi aquelas vinte páginas que eu li e que não valem duas, mas eu conseguiria falar um pouquinho sobre elas e passar algum conteúdo para essa minha amiga - em parte porque Hegel é um Platão mal re-editado. Mas eu não fui muito alegre, não, o que eu entendo como uma reação até que muito natural visto que eu estava indo para a casa de alguém para explicar a essa pessoa uma coisa que eu mesmo não sabia muito bem. Fui lendo um dos meus livros prediletos e um dos que eu considero mais simples na filosofia, a Crítica da Razão Pura (ou CRP) do Kant - um dos meus livros de cabeceira, ao lado do Tractatus e do Sofista. Enfim, cheguei na casa da garota querendo vomitar o que eu não tinha no estômago (efeito colateral de ler em ônibus, isso sempre me acontece) e sem saber o que dizer.
Mas chegando lá ela me oferece aquilo que seria a solução para os meus problemas: uma garrafa de cerveja. Isso mesmo: cerva, cana, álcool, goró, gelo, etc. Eu me lembrei na hora da minha velha teoria, a Teoria da Alcoolidade Filosófica Geral e as Teorias da Alcoolidade Filosóficas Restritas: a geral reza que a boa filosofia é produzida nos bares quando os filósofos ficam sob a inspiração divina de Dionísio; e as restritas rezam especificamente sobre cada filósofo - Hegel, por exemplo, tem duas Teorias da Alcoolidade Restitas associadas a ele: a primeira diz que Hegel só pode ser entendido por quem esteja pleno de Dionísio em si; a segunda fala a mesma coisa acerca do Absoluto de Hegel. Enfim, eu sabia que de cara limpa eu não iria falar coisa que prestasse, então eu me agarrei ao ouro líquido que ela me ofereceu e comecei a encher o Hegel de cerveja para falar de Hegel.
Mas a coisa começou a fluir bem conforme a cerveja fluía para o Hegel: eu comecei devagar, fazendo umas pontes entre Hegel e Platão que são necessárias para entender a metafísica desse alemão safado filho de uma prostituta barata que levou calote de mendigo desdentado e broxa. Não me peçam para reproduzir aqui o que eu disse: eu estava servindo apenas como um daimon a serviço do grande Dionísio, que falava pela minha boca - só assim eu consigo explicar como eu disse algo com sentido sobre a filosofia da natureza do Hegel e que ela tenha entendido alguma coisa. A coisa fluiu tão bem que conseguimos avançar até mesmo para os conceitos de espaço e tempo para o Hegel e, acreditem se quiserem, Dionísio usou da minha boca para fazer parecer que esses conceitos fossem as coisas mais simples do mundo - tipo receita de bolo. Adorei isso - mas tudo isso aconteceu somente porque o grande Dionísio assim me inspirou a dizer.
[Que papo de louco, esse de inspiração divina. Mas na falta de explicação melhor serve esta.]
O resumo da ária, senhores: eu expliquei uma coisa que eu nunca tinha visto antes para uma pessoa, que entendeu o que eu disse e que garante que após o que eu disse as aulas da professora passaram a fazer algum sentido. Bizarro, mas é a prova necessária e suficiente de que para falar de Hegel, somente enchendo o Hegel de cerveja.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Matando as saudades falando de saudades

Faz um tempo que eu não publico nada aqui no Tarja Preta, e isso tem um motivo: eu ando sem tempo até para respirar, e brindar os meus inexistentes leitores com material que valha a pena ser lido é algo que não é tão simples assim de fazer. Mas hoje eu resolvi tirar um tempo e aproveitar a minha lendária falta de sono para rabiscar algumas coisinhas e compartilhá-las com vocês. Estou com saudades de escrever aqui, e nada mais natural que eu fale um pouco sobre a crise de saudade sem motivo que estou sentindo hoje.
De vez em quando me bate umas saudades de eu não sei o que nem sei por quê. É uma sensação de ter perdido algo que não se conhece, ou de estar longe de lugares em que nunca se esteve, ou de amar alguém que há muito não se vê e nunca se conheceu - eu sei que é alguma coisa muito estranha, mas é assim que eu me sinto de vez em quando. Hoje, por exemplo: estou voltando de uma comemoração de aniversário, o que aumenta ainda mais a estranheza dessa sensação sem motivos. Na verdade não é estranho não, pois sempre que eu vou a algum lugar em que em tese eu deva me divertir eu acabo voltando com essa crise de saudades sem motivos, mais ou menos forte de acordo com o lugar ou com o que eu vi nesse lugar. É como se eu não pertencesse mais a este mundo e sentisse falta dele, e esses momentos alegres mostrassem com determinação o que eu estou perdendo por estar do outro lado. Eu sei que quando eu bater na cama e dormir eu esquecerei tudo isso, mas não sei se isso me serve de consolo.
Mas o que é esse sentimento que chamamos de saudade? De acordo com os dicionários, é a sensação de falta gerada pela ausência ou privação de algum objeto ou pessoa estimado. Dizemos que sentimos saudades de um lugar quando não visitamos por muito tempo, ou que estamos com saudades de uma pessoa quando ela desaparece de nossas vidas. Mas isso não explica casos como o meu, isto é, sentir saudades de coisas que não se conheceu, lugares em que não se esteve, pessoas que nunca
se conheceu. Tudo bem, tem o sentimento de falta, mas tem algo a mais aí que não está aparecendo claramente aos meus olhos. Saudade é isso, sentir falta? Sendo assim eu vivo com saudades do dinheiro e do conforto, por exemplo - e eu tenho a certeza que isso não se aplica aqui. Será que o emocional entra nessa história de saudade, quer dizer, saudade é sentir falta de algo que se estima muito? Pode ser, mas ainda eu continuaria sentindo saudades do meu dinheiro. Será que envolve amor? Pode ser, saudade pode ser sentir falta daquilo que se ama.
Só que agora eu não engoli bem essa minha definição: como eu posso amar uma coisa que eu nunca vi, um lugar no qual eu nunca estive, uma pessoa que eu não conheço - e melhor, que eu seria incapaz de dizer qual é. É amor ao vazio? - pois apenas amor ao vazio explicaria esse aparente paradoxo. Isso é estranho, definitivamente. De acordo com uma amiga minha, tem um cara chamado Jung, e ele era mais louco que a maioria dos filósofos: ele afirmava, entre outras coisas, que um sentimento pode ter sua origem no futuro da pessoa, e ele pode ser sentido de maneira retroativa. Isto é, sofremos pela falta de coisas que amaremos no futuro - mas que não amamos agora. Esquisito... para isso ser possível eu teria que ter uma concepção do tempo que permitisse viagens temporais ou alguma coisa do tipo.
Só sei que minha saudade não passa.
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