Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
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sábado, 17 de novembro de 2007

Nas areias de Lopes Mendes, sentei e curti o feriado de Finados

Caros amigos e companheiros leitores deste pequeno refúgio de insanidade virtual tão desprovido de visitantes, hoje vamos sentar e contar uns causos. Eu sei que está meio desatualizado, mas só agora eu tive tempo pra sentar e escrever, então... é como diz o ditado, antes tarde do que nunca.
Tudo começou quando minha irmã pergunta se eu quero ir acampar com alguns amigos dela. Isso foi final de outubro, mês em que, convenientemente, eu estava desfrutando as devidas férias da minha ocupação de vagabundo público. Só que descanso de pobre falido é uma merda, então imaginem os senhores como eu estava de mau humor na hora que ela fez essa proposta. Mas por alguma inspiração divina eu resolvi aceitar o convite, e lá fomos nós comprar tudo o que seria necessário para uma viagem dessas (e se endividar no processo, mas isso faz parte da cultura, da sociedade e da psicologia do brasileiro). Foi no meio das compras que eu fiquei sabendo qual seria o destino: Ilha Grande, na Costa Verde do Estado do Rio de Janeiro.
"Ótimo", eu pensei. Com certeza eu ficaria bem relaxado e poderia tentar descansar. Não parece muito, mas ser vagabundo público cansa e deixa muito estressado, e eu já estava querendo dar um murro no primeiro idiota que me aparecesse pela frente - o que significa que eu tinha que ficar em casa para não agredir ninguém, pois quando eu estou nesse nível de estresse pra mim qualquer um é um idiota. Então nos preparamos todos e partimos para a ilha.
Lá chegando ficamos em uma área de camping, já que ninguém ali teria culhões para acampar no meio do mato, como se deve fazer. Isso não impediu que conhecêssemos o lugar, é claro, mas cortou ao meio a graça da bagaça. Enfim, chegamos lá na sexta-feira, e já fomos conhecer uma praia lá qualquer - eu não lembro o nome, mas é perto das ruínas de um antigo leprosário aproveitado pelo regime militar como prisão política. O lugar é sinistro, sem contar que atrás dele tem um desses corredores sem fim que ninguém sabe como foi construído, nem pra quê, nem porra nenhuma. É claro que o covarde do seu escritor de bordo não entrou ali: um médium em um lugar obviamente carregado de sofrimentos e outros resíduos psíquicos similares não ia prestar. Depois disso fomos visitar o aqueduto que levava água para esse presídio - carinhosamente chamado pelos amigos da minha irmã de Lapa no Dia Seguinte. As semelhanças são interessantes. Demos mais uma volta naquela parte da ilha, e voltamos para o camping. Nesse dia eu fiquei tão cansado que acabei dormindo por essa hora mesmo, mas a galera foi curtir um forró na praça vila do Abrãao - ainda bem que eu dormi, já que eu não gosto de forró.
Mas foi no dia seguinte que a viagem valeu a pena: fomos para Lopes Mendes. Três horas e meia de trilha (o que por si só já teria feito valer o dia) coroadas por uma praia como não se vê em lugares onde a praga-homem fixou mais firmemente suas moradias. O banco de areia da praia seguia raso por pelo menos duzentos metros, com nível de água (cristalina, é bom que se diga) não superior à cintura de um adulto. Fiquei idêntico a um camarão (nota: eu não fico bronzeado, por mais que eu me esforce. Minha pele fica vermelha e descasca depois, mas mesmo que eu literalmente me queime no sol não fico com um tom de pele diferente do branco fantasma).
Mas na volta é que aconteceu o ó do borogodó da viagem. Estávamos todos mortos de cansaço e ninguém (exceto eu) estava disposto a voltar pela trilha. Mas no tempo em que ficamos na praia fizemos amizade com um dono de barco que aceitou fazer um desconto pra nos levar de volta à Abraão. Vejam o naipe da figura: musculoso, atarracado, queimado de sol, com dois tubarões tatuados pelo corpo e com um cheiro de marola que se sentia de muito, muito longe. Ele é surfista e barqueiro (como o povo em Ilha Grande chama quem faz um serviço de táxi entre as praias), muito gente fina e completamente porra-louca. Durante o caminho de volta ele contou sua história para nós, e é mais ou menos o que se segue.
Samu (ou pelo menos minha irmã jura que o nome dele é esse) era um sargento do exército responsável pela segurança de um desses bunda-moles que levam o nome de oficiais. Isso foi antes do movimento Diretas-Já, para vocês sentirem a responsabilidade do cargo. Um belo dia, ele estava num completo estresse: a noiva dele pressionava pra rolar o casamento, a faculdade estava dando nós na cabeça dele e o oficial iria ser transferido pra Brasília e iria levar o segurança dele junto. O cara ao invés de pirar catou os dois cachorros dele e uma barraca de acampamento e foi pra Ilha Grande. E nunca mais voltou. Isso ele contando ao mesmo tempo que conduzia o barco e fumava um baseado apertado ali por uma lourinha - e que tesão de lourinha! -, namorada do primo dele.
Eu aqui não vou conseguir reproduzir (e por isso nem vou tentar) toda a emoção que sentimos ao ver esse cara contando a história dele - que pode ser falsa, mas que foi tão bem contada que dá vontade de acreditar. Pra mim, ele fez isso tudo. Hoje eu penso que pessoas como Samu é o que falta para nós, homens modernos: pessoas que nos façam acreditar em suas histórias, pessoas que nos façam acreditar em algo. Pessoas que mostrem pra gente que as nossas verdades, as nossas crenças, são tão verdadeiras quanto as histórias de um barqueiro - que podem ser falsas (e todas elas, as nossas e as do barqueiro, são), mas nas quais acreditamos e, por isso, elas são verdadeiras para nós. Como full-time filósofo de plantão, simplesmente adorei ter ouvido a história desse cara. Se ele estiver mentindo, ele compreendeu - melhor que muita gente que se diz culta - que a verdade é só mais uma históra tão bem contada e repetida que as pessoas não se questionam mais quando a ouvem. É questão de paradigma, como eu estou tentado a começar a dizer.
Depois desse momento mais-que-filosófico fomos tomar um banho e passear a noite pela vila do Abraão. Eu estava particularmente cansado nesse dia, mas a história do Samu me fez pensar uma outra coisa que me deu ânimo pra mandar o cansaço pra casa do caralho e ir pra pracinha: seja lá o diabo que for, a vida é uma só e está aí por algum motivo, além de ser objeto da contemplação filosófica. Só que estava rolando duas coisas que nem combinadas nem separadas me agradam: forró e muvuca. "Agora fudeu de vez", eu pensei. "O que eu vou ficar fazendo a noite toda?"
Nisso eu ouvi um rock tocando, baixinho que não dava pra identificar o que era - mas era rock. Foi assim que eu descobri um bar muito legal, que toca música ao vivo e coisa e tal - mas que eu não me lembro qual é o nome, e por isso eu vou chamar do nome que eu, cheio de cerva na mente (ainda que a cerveja custasse R$ 4,00) cunhei na hora: Bar do Fiel. Enquanto todos os amigos da minha irmã ficaram naquele tumulto dos infernos, eu fui o misantropo que eu sou e fiquei sozinho enchendo os cornos de cerveja e curtindo a música - só pra registrar, eu era o único ali com menos de trinta anos.
Enfim, foi uma dura pena quando o domingo chegou e tivemos que ir embora. Mas a viagem valeu a pena, eu ainda vou voltar.

Ilha Grande, I'll be back!

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