Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
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terça-feira, 29 de junho de 2010

Acerca do Clima Fascista: o fascismo diário (originalmente publicado em http://vmastaroth.blogspot.com/2010/06/o-fascismo-diario.html)

Nota: o artigo a seguir foi originalmente publicado em http://vmastaroth.blogspot.com/2010/06/o-fascismo-diario.html. Trata-se de uma interessante reflexão sobre a maneira pela qual as liberdades individuais, tão caras ao Estado de Direito, estão sendo sumariamente ignoradas ou mesmo atropeladas por certos "ideólogos" que se apossaram das máquinas desse mesmo Estado de Direito. Mais do que nunca, estamos cercados por escuros oceanos de pura infinitude - o que, é importante dizer, não significa que iremos longe. Estamos, sim, adentrando uma nova era, uma nova Idade das Trevas, escolhida voluntariamente por esta humanidade para não sucumbir ao peso de sua própria mediocridade.

[Acerca do Clima Fascista] O Fascismo Diário
Por Homero Fraga Bandeira de Melo[1]


"Boas casas, boas roupas, bom padrão de vida, boas leis e liberdade são melhores que penúria, anarquia e escravidão. Os que estão infelizes em Londres podem ir para as Órcadas; lá viverão como se vivia em Londres no tempo de César. Comerão pão de cevada, cortarão a garganta um ao outro por um pedaço de peixe seco e uma cabana de palha. E quem dá esse conselho deveria também dar o exemplo."
VOLTAIRE, François Marie Arouet de, 1674-1788. O ABC: Sétima Conversação: A Europa Moderna é Melhor do que a Antiga.


Estávamos, como quase sempre, (e após deixarmos a "mesa"), no Rio 40 Graus, a confabular, "encerrando o expediente filosófico" do dia.
Éramos três e chegando o quarto cidadão, este, (após tragada profunda em um Dunhill Carlton), e, também após sorver meia taça do honesto vinho do lugar, desabafou: "não se pode fumar mais em lugar algum desta cidade! [vociferou] Hoje, na barca, retirei-me para fumar distante dos outros cidadãos, e, mesmo assim, fui vítima de olhares odiosos. E quase a terminar o devotado ofício da ingestão necessária de nicotina, que torna meu espírito cheio de deuses, aproximo-me do guichê onde comprei minha passagem de encontro ao Rio de Janeiro, à labuta, e, posteriormente, à universidade, onde venho a ter com os meus, quando uma senhora comenta acerca de mim com um senhor em tom de profunda reprovação: "ele é fumante". Atordoei-me; pois, afinal, que fiz àquela criatura? O homem com quem ela comentara isso já, em mente, investia-se do uniforme dos Carabinieri. Estava pronto para avançar contra um inimigo do Estado, contra um ente, que graças a Vitório Emanuelle III já não era mais um nacional da Itália, e, portanto, destituído de cidadania, a mim se poderia fazer o que se aprazia. E assim, tenso, aviltado, humilhado e agredido sem razão alguma; pois que se fosse, realmente, proibido fumar seria da forma como é na França, atualmente o país mais nazista de todo o mundo – saudoso do governo de Vichy – que tira a beleza de seus cafés, onde nenhuma filosofia é mais possível; pois que imaginemos Sartre sem seus Gauloises e a terna imagem de Deleuze sem a fumaça, inocente, ao fundo? Dirigi-me ao balcão de passagens perguntando: por que?".
A pergunta colocada àquela mesa, naquele dia da semana onde as pessoas laborais vão direto para suas casas descansar e cuidar de seus afazeres, pois que acreditam que podem dominar a Chronos, (deus impiedoso para com àqueles que nele acreditam), reverberava. Afinal, é possível a filosofia em um ambiente sóbrio, equilibrado, cheio de leis e regulamentos?
E é por isso que a filosofia não é possível na nazi-fascista academia! Homens bem vestidos, mulheres idem, cheios de si mesmos, certos de seu saber! Pessoas de conduta aparentemente reta, a citar John Rawls, Alasdair Chalmers MacIntyre, Immanuel Kant, Hans Kelsen! Defensores do Estado de Direito! Pessoas que optaram por crer em um Estado em que não se pode e nem se deve fumar (se bem que dentre esses senhores um padre jesuíta deles destoa, fumando alegremente seu Hollywood e também vociferando contra o estado de coisas – que diz creditar aos comunistas, mas isto é outra estória – ou seria história?); porém que se locupletam com verdadeira felicidade quando lhes aparece uma oportunidade delituosa. O erário, então, é o principal freguês destas pessoas tão retas, tão éticas e que viajam quase todo o ano à Alemanha com a finalidade de serem vítimas do ódio daqueles que se dizem verdadeiramente arianos! Lá tem suas carteiras roubadas e se o dinheiro do CNPq atrasa, a primeira coisa que se lhes corta é a calefação... Voltam ao Brasil saudosos, celebrando um possível IV Reich, sonhando com o fim do turno da noite da faculdade... A grande parte deles, nem de longe, corresponde a tipologia ariana. Esquecem que se subir o IV Reich aqui no Brasil, nem eles, nem 70% da população brasileira, se se pensar em termos das Leis de Nuremberg ou dos Protocolos de Wannsee, ficarão para contar história! Talvez os sulistas, por serem descendentes, restem para re-colonizar esta Terra Brasilis!
O antigo Rei dos Sucos, hoje MateMix, também aderiu a imagética nazi-fascista (não esqueçamos Hitler era vegetariano e anti-tabagista – a favor de uma dieta saudável, da leitura de livros edificantes; essas coisas...), com cartazes com o famoso: "é proibido fumar, portar, acender...". Curiosamente, o cartaz mais uma vez resta no esquecimento. De dia, os homens do direito, da lei, do Estado, que citam Hans Kelsen, Immanuel Kant, John Austin, não permitem que se descumpra a lei. De noite necessário é descumprir a "lei" (se é que ela se instaura em uma atmosfera onde só há possíveis, paisagens, atravessamentos voltaicos gigantescos) e nosso café vai até a mesa, bem como os pratos – e os indivíduos defensores da moral (?), da ética (?), do Estado, da probidade administrativa (?), descansam em seu ódio, pois o MateMix sabe bem o velho mandamento dos restaurantes: expulsar os fumantes é decretar falência, pois que são eles que mais tempo passam nas mesas e são os que mais consomem. Seu dinheiro é sempre bem-vindo. Por isso, o restaurante que fica perto do Rio 40 Graus, ao lado da Igreja, fica vazio e o nosso novo ponto na noite universitária se transversalisa apinhado de pessoas cheias de vida, pulsão e vontade de observar a "linha do horizonte" (Marlboro) onde não há limites ("No Limits" – Hollywood, entre 1997 e 1998 – chavão criado para os últimos comerciais que o nazi-fascismo deixou ir ao ar).
A grande questão na proibição do fumo, fora os temas elencados nesta mais acima, é simples (e ninguém quer muito prestar atenção nisso): trata-se de coibir a liberdade de expressão. Na medida em que o Estado inicia um processo deste (o Brasil tem 22 milhões de fumantes, que pagam 74% de imposto em cada Box de cigarro), ele elege um grupo, que está em minoria, e que não pode apresentar velocidade e/ou potência de defesa suficientes, e aponta a este como o "inimigo número um da nação". Mas, não é só esse o espelho do fascismo diário. Hoje vivemos mais (fumantes e não-fumantes) devido ao avanço da medicina. Porém, não temos nenhum direito de envelhecermos. A velhice é vista como doença. Os próprios velhos a renegam! Cena um: Rua 24 de maio, uma senhora faz sinal a um ônibus, muitas pessoas no ponto. O ônibus não para. Trata-se de um idoso. Idosos podem esperar... Cena dois: mesmo lugar, outro dia, outro horário... A mesma senhora. Faz sinal. O ônibus para distante. Era o suficiente para que um ágil jovem arremessasse a guimba de seu cigarro ao longe, corresse e entrasse no coletivo. A senhora tentou, porém "ficou na pista"... Isso, também, é fascismo no sentido em que todos, independente de credo, raça, cor ou qualquer outro item, contanto que estejam na posse de seu direito de cidadãos, tem direito de ir e vir, conforme lhes convier.
O fascismo começa a tomar vulto em nossa nação, na medida em que o povo, de forma geral, tem, (cada vez mais), menos acesso a informação de qualidade, a cultura e a educação formal. Desde o início do milênio notamos queda absurda na qualidade do aluno do curso. Nesse período ministrei aulas a alunos de outro curso. Lembro como se fosse hoje: os sujeitos desconheciam Galileu, Copérnico, Kepler e Newton! Vinham do antigo Segundo Grau. Não sabiam. Seriam, daqui a cinco anos, "cientistas"! E são esses que passam para o amestrado, depois para o adoutorado, tornam-se professores, compram uma pasta marrom e vestem roupa social. Depois "se arruma" um "pós-doc" em algo nebuloso como "derivação quinta da hipótese sétima presente na organicidade do discurso real e verdadeiro em...". Mas, se você estudar o que interessa para você, para a vida, para a composição dos afectos, festejar a vibração que é viver cada dia de forma diferente, gostar de assistir o nascer e o por do Sol, cultivar amigos e interlocutores, se esmerar por estar sempre aprendendo algo novo lendo de tudo, se você tentar burlar o sistema, se você não aceitar as regras, então... E eles sabem quem é você! Você não se esconderá deles. É o velho truque do nome com asterístico, é o famoso telefonema das três da manhã.
É fácil saber quem está vivo e quem não está; pois os vivos tem a face corada e seu corpo pesa mais. Eles presentificam uma forma substancial onde alma e corpo se confundem aparentando ser uma coisa só – como o velho Leibniz nos diz no Discurso de Metafísica.
Se em uma universidade pública o nível das pessoas é tão baixo, ao andar na rua, conversar com elementos do povo e tentar, de alguma forma, entender o movimento social, nos deparamos com os fascismos de cada dia. Porém, essa falta de educação formal não é desculpa para as atitudes fascistas. As pessoas que as tomam sabem e tem consciência plena delas. Elas não são dignas de perdão, nem de ódio, nem de indiferença. É a velha estória dos dois monges Zen e a mesma do Zaratustra de Nietzsche: "não devemos carregar cadáveres nas costas" (estou citando de memória e parafraseando – sei que há cá pessoas versadas em Nietzsche, porém, não vou parar de escrever agora para ir a estante ver na Werke tal ou qual se isto é assim mesmo – definitivamente, não sou homem de acordos).
Por tudo isso sei que você leitor já está cansado de minhas circularidades e tenho apenas mais algo a dizer: "cuidemos de nosso jardim" e que estes que insatisfeitos com a resistência que a Filosofia está a proporcionar deixem a ágora virtual. E deixarão. Isso é apenas questão de tempo, pois uma nova força está nascendo de dentro dos bueiros, nas ruelas escuras, e empunhando espadas de puro sentido, assaltarão. E que estes que hoje nos oprimem, assistam e ouçam o barulho opressor do silêncio, tal qual estrondo a quebrar todas as barreiras. A Filosofia não veio para costurar alianças e assinar contratos, e, só podemos vencer em sociedade, angariar algum respeito dela, se nos apresentarmos como um soldado que não deseja viver; pois, como diz o velho ditado chinês: àqueles que desejam morrer, viverão; àqueles que desejam viver, morrerão.

[1] Homero Fraga Bandeira de Melo - Professor de Filosofia e Bacharel pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail de contato: homerofraga@holosinformatica.com.

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