Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
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P. S.: decifra-me ou devoro-te!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Adrian

Atenção: o texto a seguir é um trabalho puramente ficcional. Quaisquer afirmações ou fatos contidos neles não apenas não condizem com a verdade como também não expressam a opinião do autor. Repito: este é um trabalho de fantasia.

Quando eu conto isso para você, meu filho, não tenho esperanças de que acredite em mim. Muitas outras pessoas já ouviram esta história antes – sim, meu filho, história e não estória – e todas prontamente recomendaram que eu procurasse ajuda especializada. Talvez devesse. Mesmo hoje, anos depois dos eventos sobre os quais escrevo relutantemente, penso que realmente poderia ser uma simples alucinação. Porém quando o meu cérebro já está suficientemente convencido para passivamente se ajustar a essa idéia vêm das sombras as provas de que não estou alucinando, embora eu já não tenha tanta certeza de que lado da fronteira da sanidade eu me encontre.
Isso aconteceu há uns dez anos, naquele hospital em que eu trabalhei e que desabou devido a algum erro estrutural. Foi no dia em que seu padrasto morreu. Devia ser umas dezesseis horas, mas não sei precisar porque o céu estava negro da tempestade que impiedosamente castigava prédios e desabrigados desafortunados o suficiente para terem sido pegos pelo dilúvio. Pensei, na hora, que as ruas estariam cheias e o médico que me substituiria em algumas horas no serviço de psiquiatria provavelmente se atrasaria. Você sabe que eu gosto de atuar como psiquiatra, pois nunca temi tanto os loucos como temo os sãos. Eu estava convencida que a loucura era apenas uma forma diferente de lidar com as informações do mundo exterior. Por isso, não me incomodava a perspecitiva de permanecer no serviço por quatro, oito ou quaisquer horas adicionais. Eu conversava com os internos que não precisavam de sedativos, e isso apenas reforçava minhas crenças sobre a loucura.
Havia um deles, Adrian se eu me recordo bem, que fora internado e posteriormente abandonado pela família. Adrian era um rapaz jovem, bastante bonito e bem falante, e se não fosse as alucinações que constantemente o reduziam a um estado inferior ao de um cervo amendrontado seria um membro não apenas funcional mas fundamental para a nossa sociedade. Seus conhecimentos de matemática, engenharia e eletrônica eram surpreendentes, e mais de uma vez ele consertou alguns equipamentos médicos no hospital. Por esse motivo os demais médicos permitiam que ele andasse livremente pelo hospital, desde que acompanhado por uma enfermeira que o auxiliaria caso sofresse uma crise de alucinações. Alguns médicos iam mais além, e traziam livros, jornais e outras formas de mantê-lo em contato com o mundo exterior. Lembro-me também que ele escrevia muitas cartas, mas nenhuma delas era respondida.
Nesse dia de chuva Adrian se aproximou de mim e perguntou se poderíamos jogar xadrez. Eu não sou muito boa, mas acredito que Adrian, percebendo a situação imposta pela chuva, estava tentando ser gentil e ajudar a me distrair. Fomos para um canto mais afastado onde poderíamos jogar, e dei ordens aos enfermeiros para que me procurassem caso algum interno saísse do controle. Iniciamos algumas partidas, e pude perceber que Adrian estava muito distraído – algo decididamente anormal, pois ele era uma das pessoas mais atentas que conhecia até então.
- Você nunca perguntou quais eram minhas alucinações, doutora – disse Adrian ao mesmo tempo em que marcava um xeque-mate.
- Sua família descreveu que você vê grandes objetos faiscantes enquanto alucina, Adrian. O doutor Mark disse que isso poderia ser devido ao seu talento com eletrônica, mas que precisaria ser tratado até que desaparecesse.
- Eu sei disso. Como eu sei que o doutor Mark mentiu em seu diagnóstico.
Larguei o peão que eu estava ajeitando no tabuleiro, derrubando mais algumas peças no processo. Adrian, percebendo meu choque, ajeitou-as, pôs os cotovelos sobre a mesa, apoiou o queixo nas mãos e disse:
- O que você sabe sobre o mundo, doutora? Melhor dizendo, o que é a realidade para a senhora?
Fui poupada de responder pela interrupção de um enfermeiro dizendo que o médico que me renderia acabara de chegar. Despedi-me cordialmente de Adrian, e ele disse que eu deveria pensar sobre tudo aquilo que eu acreditava ser verdade. Ao sair do hospital pude perceber que se passaram quase seis horas – algo impossível considerando que joguei apenas duas ou três partidas curtas com Adrian. Ao chegar em casa decidi não me ocupar com a questão, estava cansada demais para isso. Eu aproveitei que seu padrasto não estava em casa e tomei um copo de uísque depois do banho. Foi quando tudo começou.
Escutei alguma coisa batendo nas janelas da sala, e como morávamos no vigésimo andar isso me assustou muito. Abri as cortinas e não havia nada lá. Voltei para a poltrona e ao copo de bebida, tomando o cuidado de deixar as cortinas abertas e ficar olhando para a janela. Quando me convenci que nada demais acontecera e que o barulho certamente foi invenção de uma mente cansada e levemente alcoolizada, fui para a cozinha lavar o copo, preparar um sanduíche para não dormir com fome. Quando eu pus o copo no armário houve um apagão de energia elétrica. Pensei que fosse algo normal após uma tempestade, então peguei uma vela, acendi e decidi ir dormir com fome.
Quando eu passei pela sala vi pelas janelas que apenas eu havia sofrido com a interrupção de energia elétrica. “Deve ser o fusível”, pensei, e liguei para o síndico. Nunca te contei isso, mas da última vez que tentei trocar um fusível foi em um equipamento de eletrochoque e quase morri eletrocutada. O síndico, porém, não atendeu o telefone. Quando eu pus o aparelho no gancho escutei a porta se abrindo e a voz de seu padrasto invadindo aquela escuridão assustadora. Ele estava pálido demais, e isso me deixou muito preocupada. Olhei pelas janelas novamente, procurando algo que na hora eu não sabia bem o que era, e quando eu volto os olhos para o local no qual seu padrasto estava vejo que as luzes retornaram ao apartamente e que ele não estava mais lá. Supus que ele havia ido verificar o fusível, então no momento não me incomodei.
No entanto, as horas passavam-se e seu padrasto não retornava. Às duas da manhã recebi um telefonema do corpo de bombeiros, dizendo que o corpo de seu padrasto foi achado às dez da noite completamente mutilado. Isso me chocou profundamente, pois certamente era mais de dez horas da noite quando ele apareceu para mim e as luzes retornaram. Eu não sabia se chorava a perda ou tremia de medo, mas era certo que havia alguma coisa muito estranha acontecendo comigo. Eu conhecia relatos de pessoas que alegavam ser médiuns, capazes de falar com os mortos ou mesmo de prever quando um ser vivo morreria. Preferir descartar isso e creditar a experiência à combinação de cansaço com medo e álcool. Joguei-me na cama como estava e fui dormir.
Alguns dias depois eu retornava ao hospital onde Adrian estava internado. Meu plantão começou com um incidente desagradável: um dos enfermeiros foi pego abusando sexualmente de uma das internas, e o médico ao qual rendi decidiu transferir a responsabilidade do problema para o médico que viesse depois dele no plantão. Tive que chamar a polícia, prestar testemunho, preencher relatórios e cumprir o ritual burocrático que tomou quase oito das minhas doze horas de plantão.
Quando me vi desembaraçada do mar de papéis que a luxúria de um enfermeiro atirou sobre mim vi que Adrian estava em pé ao lado da porta do meu escritório. Fiz sinal para que ele entrasse e se sentasse. Adrian apoiou os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos da mesma maneira que ele fizera no dia das partidas de xadrez, assobiou baixinho e disse:
- Eu sei o que você viu. Isso não é loucura, mas é algo que desafia aquilo que a ciência humana chama de “racionalidade”.
Aquilo me deixou muito incomodada. Eu não havia comentado com ninguém sobre aquela experiência no apartamento, e, a bem dizer, ainda estava chocada demais com a morte de seu padrasto para ser capaz de agir fria e racionalmente à situação imposta a mim por Adrian. Ele, por sua vez, continou a falar:
- “Existe mais coisas entre o céu e a terra do que supõe tua vã filosofia, Horácio!”, disse Shakespeare. Dizem que eu alucino, e ninguém mais do que o doutor Mark tem interesses nisso, mas a verdade é outra. Descobri um meio de entrar em contato com dimensões jamais imaginadas pelo homem, universos paralelos nos quais repousam as explicações para os fenômenos estranhos que se escondem nas sombras e nos rincões deste mundo. Aprendi com os seres nativos dessas dimensões, e pelo pouco que sei posso afirmar, com certeza, que não passamos de cobaias sendo analisadas em algum experimento cuja amplitude não podemos compreender, conceber ou mesmo entender caso víssemos e esses seres nos explicassem.
- Adrian, você tomou seus remédios hoje?
- A senhora não pode entender, não poderia mesmo sem ter visto o que eu vejo. Mas então como explicaria que seu marido, morto há algumas horas, aparecesse para você e trocasse o fusível?
Adrian tocou em um ponto muito sensível. Eu não tinha como explicar aquilo. Adrian pareceu não ligar para a confusão que obviamente se estampava em minha face e continuou a falar.
- Existem seres muito poderosos nessas dimensões, seres que em comparação a nós são deuses. Como explicar os astecas, os incas, os maias e os egípcios, a cultura deles, todo o conhecimento que eles tinham? Como justificar que eles adorassem deuses cruéis que pouco se importavam com eles a não ser como objetos de adoração? Doutora, o que eu estou falando aqui deve ser mantido em segredo, mesmo que não possa haver segredo para esses seres e seus servos humanos.
- Servos humanos?
- Algumas pessoas são como meus pais ou o doutor Mark. Eles servem esses seres em troca de poder, e eu, que quero acabar com a ameaça que eles representam para a humanidade, sou um alvo em potencial. Não foi por acaso que minha família viajou quase duzentos quilômetros para me internar aqui. Ignore o prontuário, doutora! O doutor Mark registrou muitos dados falsos ali, justamente para enganar um eventual leitor ao qual eu viesse a contar essa história.
- Você vê que eu não tenho como acreditar em sua história, Adrian. Quer dizer, eu não sei como você sabe que eu tenha alucinado com meu falecido marido, tampouco como você sabe sobre o fusível, mas ainda assim isso não prova nada sobre suas afirmações.
- Seu marido era um deles, doutora. Ele não foi trocar o fusível, ele foi vigiá-la de perto até que a hora de sacrificá-la para seus mestres chegasse.
- Adrian, você está passando dos limites!
- Quer provas da verdade do que eu falo? Peça para o doutor Mark para que a senhora se torne responsável pela indicação e aplicação da minha medicação. Em duas semanas não estarei alucinando mais, e aí poderemos conversar fora deste hospital sobre esse assunto.
- Vou dar essa chance para você, Adrian, mas saiba que se você estiver mentindo não terei dó em mandá-lo para o isolamento na solitária.
- Você não vai ter esse trabalho.
Adrian se levantou e saiu, e pude perceber que ele parecia muito aliviado de ter ido falar comigo sobre aquilo. Entrei em contato com o doutor Mark e pedi a responsabilidade sobre o caso de Adrian, mas surpreendentemente o doutor Mark disse que o caso era dele e de ninguém mais – surpreendentemente porque o doutor em questão é a encarnação do estereótipo do funcionário público que agradece quando o livram do trabalho. Apelei à direção do hospital, que prontamente transferiu o caso para mim. Assim que peguei o prontuário, vi que o doutor Mark estava administrando alucinógenos pesados em Adrian, e confesso que isso me deixou próxima a acreditar na história dele. Suspendi as medicações e em menos de duas semanas pude diagnosticá-lo como pessoa normal e saudável.
No dia em que recebeu alta Adrian veio me visitar. Vestia um terno branco, camisa lilás e chapéu de feltro branco, e trazia umas duas rosas na mão.
- Isso é para a senhora, doutora, disse ele colocando as rosas sobre a mesa.
- Não precisa disso, Adrian. Você precisa me contar sobre aquilo que você falou há duas semanas.
- Agora acredita?
- Não, mas também não desacredito mais.
- Um começo. Não tenho casa aqui, e sei que seu filho mora muito longe e não dá a mínima para a senhora. Eu sei que isso é pedir muito, mas a senhora poderia me hospedar em sua casa por uns dias, até eu achar um lugar para morar?
Sinceramente, eu não tinha como dizer não. Adrian me conhecia melhor do que o seu padrasto, com quem dormi por quase vinte anos. Além disso, seria por apenas alguns dias.
- Espere o fim de meu plantão, Adrian. Quando eu sair iremos para minha casa.
Não aconteceu nada de importante durante esse meu plantão, de modo que Adrian e eu pudermos ir para minha casa no horário. Adrian permaneceu mudo durante todo o trajeto, revirando algumas anotações muito estranhas e murmurando algo incompreensível para mim. Ao chegarmos em casa, pude perceber que ele estava muito suado e levemente tenso. Ofereci água e comida, e ele recusou a ambos. Então nos sentamos na mesa da sala de estar. Ele espalhou seus papéis sobre a mesa, e agora, dispostos dessa forma, pude perceber que as estranhas anotações eram o esquemático de algum dispositivo desconhecido para mim.
- Lembra daquelas dimensões sobre as quais conversamos, doutora?
- Sim, Adrian.
- Esta máquina vai permitir que entremos em contato com elas, de modo a combater o mal diretamente em sua origem.
- Escute, Adrian. Você disse que me explicaria mais sobre aquelas coisas de dimensões, realidades paralelas. Eu acreditei em você e consegui que você saísse do hospital, então eu acredito que talvez seja a hora de você começar a falar.
- A senhora tem razão. Anos antes de ser internado, achei um livro de minha mãe escondido debaixo de uma tábua no piso da sala. Era um livro com figuras estranhas, descrevendo uma sociedade de seres alienígenas, sua psicologia, sua história e suas capacidades sobre-humanas. Li que esta realidade é apenas uma entre muitas outras que convivem no mesmo espaço-tempo sem no entanto se sobreporem ou se comunicarem naturalmente. No entanto, esses seres são capazes de viajar entre as dimensões, e seus poderes naturais faz com que se tornem deuses para os seres nativos – Adrian fez uma pausa e olhou para o lado, como se procurasse algo.
- Aqui nesta realidade foi diferente, continuou Adrian. Não havia vida nativa inteligente o bastante para ser útil a esses seres supremos. Então eles criaram a humanidade a partir do refugo de muitas outras experiências deles nas outras dimensões, concederam a ela a inteligência e depois se revelaram como deuses.
- Mas isso nega completamente a história que conhecemos, tanto a história científica quanto a religiosa!
- Sim. O deuses gregos, egípcios, babilônico, astecas e até mesmo o deus cristão são na verdade membros dessa espécie de supra-seres. Eles vieram para cá, criaram a humanidade e depois exigiram culto. Veja que nas religiões pré-judaísmo os deuses são cruéis e caprichosos, enquanto o deus descrito no Antigo Testamento é cruel, vingativo e mesquinho. Apenas Jesus Cristo, dentre todas as grandes divindades, falou de amor.
- Você vai querer dizer que Jesus é membro dessa raça de seres superiores a nós?
- Não. Existem muitas outras dimensões, e em nem todas essa raça se fez presente. Em uma delas existem seres igualmente superiores a nós, mas pacíficos e sinceramente interessados em levar seu conhecimento, paz e sabedoria para todas as dimensões. Jesus e João Evangelista eram desse povo. Infelizmente os seguidores de Jesus foram absorvidos pelo mar de crueldade destilado por esses seres supremos, e o resultado está aos olhos de todos.
- No entanto, existem homens que conhecem esses seres supremos mais diretamente, por assim dizer, doutora. Eles não cultuam deus algum, pois os deuses são máscaras criadas pelos seres supremos para facilitar a adoração humana, mas eles cultuam os próprios seres em sua crueldade, maldade e horror. Nossa realidade está sendo lentamente absorvida pela dimensão da qual esses seres supremos são nativos, e esses tolos acreditam que cultuando-os podem garantir lugares de destaque quando o inevitável acontecer.
- Adrian, se isso é verdade, não há como deter isso
- Sim, doutora. Precisamos destruir os seres supremos. São eles que controlam, por meio de seus poderes, o processo de absorção. Para isso desenvolvi esta máquina, que nos permitirá não apenas entrar na dimensão deles como também destruí-los.
- Tudo bem, Adrian. Mas se isso for verdade, como você pode me provar isso?
Adrian procurou algo dentro das suas coisas até achar algo que me pareceu uma lupa feita com um cristal vermelho sangue e presa a uma armação cheia de botões, luzes e alguns componentes eletrônicos visíveis. Ele me estendeu a lupa e disse:
- Olhe pela janela.
Fiz o que Adrian mandou, mas por Deus, como eu gostaria de não ter feito isso! Ao invés dos prédios vizinhos e casas e árvores que podíamos ver, vi um mundo escuro, com construções negras das quais gotejavam um fluido verde viscoso. Deixei a lupa cair, amendrontada.
- Entendeu o que eu disse, doutora? Agora você acredita?
Não havia mais como dizer não.
- Vamos montar sua máquina, Adrian.
Eu estava com férias vencidas, então decidi pedi-las para poder me dedicar totalmente ao projeto. Passamos duas semanas construindo o dispositivo, que caberia facilmente sobre um relógio de pulso. Construímos dois dispositivos e elaboramos um plano de ação. No entanto não os testamos, pois não queríamos chamar atenção sobre nosso projeto.
Em uma certa noite, porém, fui acordada por uma grande luminosidade e um barulho muito forte. Corri para a sala e vi o Adrian envolvido por aquele fluido viscoso verde que eu vi pela lupa. Aparentemente ele tentou ativar o dispositivo, e provavelmente estava tendo sucesso. Ele sorria muito, como uma criança que realmente aprendeu a usar o brinquedo novo. Aquele fluido se espalhava pela sala, e um grande tremor derrubava os livros da estante e tirava os móveis do lugar. Um barulho ensurdecedor tornava impossível ouvir qualquer coisa sendo dita pelo Adrian, mas certamente ele estava falando comigo. Parecia muito preocupado com algo.
Foi quando eu entendi o desespero do Adrian. O fluido verde começou a se solidificar e tomar forma. Uma criatura alta, de pele negra e textura aparentemente emborrachada, saída de algum pesadelo lovecraftiano, saía daquele fluido e agarrava Adrian. Meu apartamento começou a tremer violentamente, aparelhos eletrônicos começaram a queimar e explodir. De repente o fluido verde tomou toda a sala, tudo ficou quieto, morno e opressivo. Não conseguia respirar, sentir meu corpo. Nada fazia sentido, parecia ter sido jogada no nada primordial que antecedeu toda a existência.
Então tudo parou. Existia uma pilha de cinzas no lugar onde estava o Adrian, e os dois dispositivos sumiram. Meu peito ardia como se tivesse sido marcado à brasa. Procurei um espelho, e para o meu desespero vi escrito “não procure” marcado no meu seio esquerdo. Até hoje tenho essa cicatriz, e nenhuma tentativa de cirurgia plástica consegue removê-la – ela simplesmente volta depois de uns dias.
Após esse dia pedi exoneração do hospital em que trabalhava. Aleguei necessidade de tratamento, e desde então eu tento conviver com isso. Mas a cada vez que olho para as sombras vejo o Adrian, vejo essas criaturas, vejo aqueles prédios. E no escuro e nos meus sonhos vejo aquele fluido verde, como se eu estivesse sendo vigiada. Meu filho, eu não sei o que fazer. Se você me ama, por favor venha morar com sua mãe. Tenho medo até de dormir. Tomo muitos remédios, mas não sei mais o que é verdade, o que é realidade.
Com amor, sua mãe.

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