Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
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P. S.: decifra-me ou devoro-te!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

O Padre e a Súcubo

Uma vez, há muitos anos, quando a raça dos homens mortais ainda possuía reis da mais alta e pura linhagem, e que os heróis caminhavam pela face desse planeta, per­guntaram-me quem eu sou. Ainda hoje lembro-me da face do homem que me perguntara isso: lisa e imberbe, angelical até. Uma face como havia anos que eu não via. Ele olhou-me com timidez, temendo possivelmente que as histórias que cercam meu nome fossem verdadeiras, que eu fosse uma sedutora devoradora de homens, e que os devotos fiéis do Crucificado estavam obrigados a se afastarem de mim como fugiriam de meu mestre demoníaco. Olhou para mim como um fraco, uma criança pedindo aprovação de seu pai para fazer alguma coisa que ela mesma sabe que não poderia fazer. Ele tremeria de medo, se seu medo não fosse tão intenso. Mas ainda assim ele ousou tirar-me de meu festim de alegria e auto-satisfação para perguntar-me, uma insolência que desde o alto rei Kaavi eu nunca tinha visto. Ele mereceria uma resposta, uma boa resposta.
Tomei-lhe as mãos entre as minhas e perguntei-lhe o nome. Disse-me ele que uma vez tivera um nome pagão e bárbaro, mas agora se chamava Christian e obrava pela Glória do Senhor. Meus lábios mostraram-lhe o sorriso felino de um predador e senti que isso pesou em seu coração, pois ele quis recolher para si as partes de seu corpo que me tocavam e que me desejavam. Eu lhe disse que não temesse, que nada iria lhe acontecer de ruim ou errado. Ele me olhava, com um misto de desejo e medo que seria algo por demais risível, se ele não vestisse as amaldiçoadas vestes dos sacerdotes do Deus Morto. Ele queria tomar de volta as próprias mãos, mas eu as prendi com força, e seu espírito fraco cedeu às minhas vontades. "Não há o que temer em mim, Christian", eu lhe disse. "Não sou essa criatura que seus padres insistem em dizer que sou." O trêmulo noviço reagiu: "Como não? Eles dizem que você e todos os outros que dançam e cultuam os falsos deuses cultuam e louvam o próprio Único Abaixo, e que todos receberão a Danação Eterna!"
Emudeci por um momento. Demorou-me a ser compreensível que alguém usasse tais palavras para os Gloriosos Senhores. Esse pensamento fraco e covarde estava tomando a mente dos jovens como esse falso santo em minha frente, e fazendo com que esses jovens cuspissem na face daqueles que os criaram e fizeram deles os homens que um dia foram. Precisava mostrar a ele o quão distante da Vida Eterna a vida eterna prometido por esse deus romano estava. Lentamente coloquei as mãos deles, ainda firmemente presas entre as minhas, sobre meus seios, e mais lentamente ainda levei a mão direita dele para meus lábios. Brinquei com as mãos deles sobre meu torso, enquanto seu rosto se convertia na mais pura expressão do desejo carnal.
Minha voz tornou-se o próprio sussurro da brisa matinal em um fiorde, quando os valorosos guerreiros embarcavam em suas drakkars para mais um dia digno de um homem, e meus lábios falaram a Christian nessas palavras: "Seu deus pode lhe dar alguma sensação tão prazerosa quanto essa? Seu deus pode lhe dar uma fagulha de vida que seja mais intensa do que essa que suas mãos tocam agora?" Pus meu dedo em seus lábios, e como uma altiva andorinha pairei nos céus rubros num momento eterno de lentidão absoluta. Seus olhos buscavam a deus, mas apenas se detinham em meus olhos. "Mostra-me um deus que não esteja vivo, jovem efebo", eu lhe disse, "e mostro-te a Divindade entre as curvas e relevos do corpo de uma mulher Divinizada por si só."
Sua vontade fraquejou ante meu espírito, e curvei-lhe a fronte enquanto meus lábios se achegavam para um cálido toque e trocar de carícias, tímidas a início mas aquecidas pelo próprio ardor do jovem cristão. Como criança confusa ele se deixou conduzir pelos meus movimentos, hipnóticas flautas Divinas ante a víbora estupefata cristã. Mostrei-lhe a glória que aguarda os guerreiros de grande valor a adentrar os festins eternos do além-vida. A brisa noturna dançava o Kumpala em nossas peles, eriçando nossos pêlos corporais de frio e um temor mais antigo que a noite... o temor da paixão. Sentia nos olhos do jovem padre o desejo carnal por um demônio, e o padre entregava-se aos seus desejos como se sobre seu corpo estivesse o próprio Cristo a levá-lo ao paraíso. Mas aparece-lhe um demônio, um demônio que drena lentamente sua alma até que apenas ossos e peles ressequidas restem.
O jovem padre, agora ardendo pelo pecado ao qual se entregara e com certeza se lamentando por ter se deixado seduzir por uma mulher tão santa como eu, em um primeiro momento lutou contra seus instintos, mas lentamente se entregou ao meu beijo, e à morte confortante que ele traz. Senti em seus lábios o quanto ele se lamentava agora por ter deixado de ser um homem como seus ancestrais, mas nada poderia eu fazer por ele. Com minhas unhas rasguei a túnica esfarrapada que os servos desse deus, deixando-o entregue aos rigores do inverno, e guiei sua mão até os botões que mantém minhas vestes sobre meu corpo. Mas ele não era um homem, e eu não poderia encontrar nele o que eu procurava. Por mais que eu sentisse a necessidade de prazer, a fome é muito maior. Seria, não nego, uma chance para torná-lo um homem, mas eu estava ali para livrá-lo dessa não-existência tortuosa que ele nomeia “cristianismo”. Era hora de, com um beijo, selar a existência dele neste mundo, e levar sua alma comigo. Finalmente o beijo dele se tornaria doce, mas seria seu último beijo.
Seu corpo agora jaz sem vida, frio como minha alma, há muito morta. Caminho eu para longe daquela casca vazia. Deixe-me sair dessa tarde, por piedade. A noite é ainda uma criança.



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