Manual de Instruções

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domingo, 31 de julho de 2011

Apresentação do Projeto Admirável Mundo Novo nas Escolas (versão 0.1)

Caríssimos


Esta é a apresentação de um projeto que estou escrevendo para a área de educação, Admirável Mundo Novo nas Escolas. Gostaria de tornar meus esboços públicos, na esperança de melhorá-lo com as críticas construtivas e os incentivos que porventura venha a receber. Grato desde já.


Apresentação do Projeto Admirável Mundo Novo nas Escolas


Arrisco dizer que vivemos em uma sociedade pós-fordismo. Suas estratégias para o crescimento econômico e o bem-estar material das pessoas parecem ter sido esgotadas por sucessivas crises financeiras e pela necessidade de mão de obra altamente qualificada capaz de lidar com as novas tecnologias associadas à produção de bens. Desprovido de suas estruturas mais vitais, a saber, trabalhadores pouco qualificados e com a remuneração suficiente para consumir o fruto de seu labor, o atual sistema de produção – e por extensão todo o capitalismo desenvolvido nos moldes da primeira metade do século XX – dá sinais claros de não ser capaz de atender a demanda da cada vez maior e mais empobrecida população mundial. A carestia dos recursos mais essenciais assoma-se como realidade iminente para os próximos trinta anos, ou talvez menos. A crise é iminente, e sinais claros, como o aumento de mais de 200% nos preços de muitos itens da cesta básica brasileira em menos de dez anos, são visíveis a olhos nus.

Se o passado próximo nos permite fazer inferências sobre o futuro próximo, como afirmou Aldous Huxley em seu prefácio ao livro Admirável Mundo Novo, é válido supor que estamos na iminência da ascensão de regimes totalitários e arbitrários estruturados ao redor de algum líder carismático, demagogo e ideologicamente avesso às liberdades humanas mais essenciais – notadamente àquelas relacionadas às faculdades de discordar e compreender. A Alemanha no pós-Primeira Guerra Mundial e os países do mundo árabe (especialmente a Líbia de Muammar al-Gaddafi1) são os exemplos mais gritantes do risco que a sociedade sofre em tempos de crise, mas não precisaríamos ir muito longe para testemunhar a escalada de oportunistas desse tipo ao poder. A Venezuela de Chávez, a Argentina dos Kirchner, a Honduras de Zelaya e o Brasil do Partido dos Trabalhadores, para citar apenas alguns exemplos, são palcos nos quais se desenrolam dramas mais ou menos intensos sobre o assalto e o achincalho às liberdades essenciais do pensamento, da aquisição de conhecimento e de expressão.

Neste cenário – a falência de nosso modelo econômico e a possível ascensão de tiranos mais ou menos sutis ou brutais ao poder – a educação adquire uma importância muito maior do que a normalmente percebida. Cabe ao educador um papel central, a saber, corroborar o discurso pseudoideológico do candidato a demagogo carismático ou alertar seus educandos dos riscos existentes em tal canto de sereia. É nesse momento que cabe ao professor refletir seriamente sobre suas crenças, seus objetivos e suas aspirações para o futuro, e também sobre o processo educativo – do qual ele é o agente imediato. Ele precisa encontrar uma resposta clara e distinta para a pergunta "para que educar?" tão antiga em sua profissão, mas mais do que nunca basal e impossível de ser ignorada. Qualquer que seja a resposta, esta terá fortíssima influência sobre seus educandos e sobre o papel que o educador assumirá nestes tempos tenebrosos, pois essa pergunta, hoje, é equivalente a "para quem educar?"

É válido, creio, objetar neste ponto que não é possível fazer uma escolha sem o conhecimento de todas as variáveis e condições envolvidas. Por definição, não é possível recorrer à História oficial para levantar informações sobre como era a vida das pessoas sob um tal tipo de governo – adulteração de arquivos oficiais parece ser um passatempo estimado por todos os governantes que por alguma razão apoiam-se em métodos similares aos considerados nos parágrafos anteriores. Uma vez mais evocando o passado próximo para encontrar respostas e estimativas sobre o futuro próximo, e na impossibilidade de recorrer a eventos reais, precisamos lançar mão de cenários ficcionais que descrevam governos totalitários cuja origem histórica tenha sido um cenário semelhante ao atual. Precisamos compreender a distopia fictícia para impedir que ela se torne real.

De todas as ficções distópicas acredito que Admirável Mundo Novo, do já citado A. Huxley, seja a que mais se assemelhe aos nossos dias. Felizmente não temos acesso a recursos como hipnopédia, condicionamento de fetos e sistema científico de castas, mas vivemos em uma sociedade que presta culto ao prazer imediato e desdenha – não oficialmente, é verdade, mas a desdenha sutil é muito mais danosa que o desprezo aberto – de valores tradicionais como conhecimento, religião e família. Os trabalhadores de nossa sociedade recebem cada vez menos informação que não seja relacionada com seu ofício, e mesmo nas classes mais altas verifica-se a redução do gosto pelas artes nobres da humanidade. Pensar tem se tornado anátema, o pensador um herege ou, mais apropriadamente, um portador de doença altamente contagiosa e sem cura conhecida, tal como a hanseníase nos anos medievais.

Escolher adotar Admirável Mundo Novo como a base deste projeto obedeceu outros critérios além da verossimilhança e do paralelismo com a realidade. Em 2009, creio, dois anos no passado do momento em que este projeto é escrito, o livro foi reeditado com preço surpreendentemente acessível e em formato de bolso – o que permitiria que os alunos o comprassem e o lessem nas horas vagas. Outro fator foi a facilidade de leitura e de acesso: sempre considerei 1984 uma leitura difícil para pessoas que quase não leem, a triste realidade de quase todos os meus alunos, e o livro está quase quatro vezes mais caro do que Admirável Mundo Novo. Ademais, eu já havia trabalhado a Revolução dos Bichos de Orwell com eles, e percebi que uma tal mudança seria de bom tom.

Através do paralelo entre o Estado Mundial fictício e nossa realidade os alunos poderão compreender o perigo que se esconde atrás de títulos como "pai dos pobres" e "libertador". Muitos deles não têm outros meios além da escola para ter acesso ao mundo muito maior e muito mais amplo que reside além de suas preocupações cotidianas, e acredito ser covardia e desonroso negar-lhes as chaves que abrem as portas desse admirável mundo (para eles) novo, e acredito ser indigno do epíteto de educador todo aquele que se propõe a servir de instrumento a serviço do discurso pseudoideológico do tirano carismático que apenas aguarda a crise para ascender soberano. Como diz uma famosa canção, e como os alunos deveriam poder dizer de seus verdadeiros educadores, "eles me deram as chaves que abrem essa prisão".

1Escolhi esta latinização, e não a adotada oficialmente pela mídia brasileira, por ser a preferida pelo governador da Líbia.

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