Manual de Instruções
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P. S.: decifra-me ou devoro-te!
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Diferença entre ser e existir
terça-feira, 5 de maio de 2009
Para pensar
Você é importante para mim
Você corre, trabalha, canta, chora, ama. Você sorri, mas nunca me chama.
Você se entristece mas depois se acalma, mas nuca me agradece.
Você caminha, sobe, desce escadas, e nunca se preocupa comigo.
Você tem tudo e não me dá nada.
Você sente amor, ódio, sente tudo, menos minha presença.
Você tem os sentidos perfeitos, mas nunca os usa por mim.
Você estuda e não me entende, ganha e não me ajuda, canta e não me alegra.
Você é tão inteligente e não sabe nada de mim.
Você reclama dos meus tratos, mas não valoriza o que eu faço por você.
Se você está triste, me culpa por isto, mas se está alegre, não me deixa participar de sua felicidade.
Você faz o que os outros ordenam, mas não faz o que eu lhe peço com humildade.
Se você não subiu na vida, descarrega sobre mim toda sua ira, mas se você é importante pisa nos menos favorecidos.
Você quebra tantos galhos, mas não tira um espinho de minha testa.
Você entende todas as transações do mundo, mas não entende minha mensagem.
Você reclama tanto da vida, mas não sabe que a minha é triste por sua causa.
Você baixa os olhos quando um superior lhe fala, mas não levanta esses mesmos quando lhe falo de meu amor.
Você fala às pessoas e não sabe que conheço toda sua vida.
Você enfrenta muitos obstáculos na vida, é forte, mas que pena, embora não admita, sei que você tem medo de mim.
Você defende seu time, seu ator, mas não me defende no meio de seus amigos.
Você corre com seu carro, mas nunca corre para meus braços.
Você não sente vergonha ao se despir perante alguém, mas sente vergonha ao tirar sua máscara diante de mim.
Você costuma “ às vezes ’’ falar do que fiz, mas nunca me deu oportunidade de falar o que você fez.
Você é um corpo no mundo, e eu sou um mundo em seu corpo.
Eu sou alguém que todos os dias bate à sua porta e pergunta: Tem lugar pra mim na sua casa, na sua vida, no seu coração?
Eu estou presente nessas linhas que você, por curiosidade começou a ler.
Eu sou JESUS CRISTO.
Quero simplesmente que você me aceite como amigo, e me confesse como Salvador e Senhor.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Como ser feliz?
Certas vezes acreditamos precisar de muitas coisas para sermos felizes. Natural em uma sociedade que associa o ter com o ser. Mas falhamos sobremaneira em perceber que precisamos de muito menos do que acreditamos para realmente sermos felizes.
Um bom exemplo é dado por uma estória que ouvi, ou li, faz algum tempo. Nela um homem começava a viver acreditando que precisaria de muito para ser feliz, mas conforme ia envelhecendo percebia que não precisava de tantas coisas quanto acreditava. No final, em seu leito de morte, ele realizou que precisava apenas dele mesmo para ser feliz, e que havia desperdiçado sua vida inteira nessa busca inútil. Inútil porque ele procurara nos lugares errados, fora e longes de seu coração. Pois em verdade digo que a felicidade está no coração do homem.
Por que não percebemos isso? É uma pergunta válida, visto que algo tão próximo assim deveria revelar-se imediatamente ao homem. Há dois motivos para isso. Um deles, facilmente comprovado pela experiência de vida, é que falhamos em perceber as coisas mais óbvias. Prova disso é que as pessoas hoje procuram remédios ou psicólogos para resolver os problemas de sua alma. Preferem ser clinicamente loucas a ouvirem a voz de seus íntimos quando esta diz coisas que não se encaixam no esquema da sociedade.
O outro motivo é justamente a sociedade, que entulha o homem e sua alma com inumeráveis detritos. Ao alimentar no homem certos desejos ela o cega para suas reais necessidades, e assim o homem jamais atinge a felicidade. Pois ao homem basta a si mesmo, não precisa de carros, jóias, estudo ou o que quer que valha. Essas coisas são, na melhor hipótese, ficcções úteis; mais realisticamente, cadeias para a alma. Muito conhecimento não dá no homem sabedoria, como apontara Heráclito certa vez; tampouco um carro o levaria até ela, e jóias o preparariam para recebê-la.
A sabedoria conduz o homem à felicidade, e, insisto, o homem basta a si mesmo apra ser feliz, pois ele basta a si mesmo para ser sábio. Quando o homem é verdadeiramente sábio ele saberá como ser feliz, ou melhor: o homem sábio necessariamente se conduz à felicidade.
Mas em que consiste essa sabedoria, verdadeira panacéia para a alma humana? Sábio é o homem que reconhece que todas as coisas são uma só. O ignoranta vê indivíduos; o instruído vê gêneros; mas o sábio vê apenas uma única e mesma coisa. Descartes acertou sabiamente quando disse que matéria é extensão, mas errou em admitir a multiplicidade dos entes. Por existe apenas um Ser, Aquele que É o que É, e tudo o que existe, que um tolo diz serem coisas distintas umas das outras, nada mais é que Sua extensão.
O sábio, que é quem reconhece em todas as coisas a Unidade e unicidade com aquele Ser que É, não tem mais preocupações. Sua mente se aquieta, porque ele vê em tudo todas as coisas. O homem que é sábio basta a si mesmo para conhecer, porque em um grão de areia está escrita toda a Criação, em um sopro de vento aquele Ser que É o que É se mostra em Sua totalidade e, assim, todo o resto se revela. O sábio vê aquele Ser em sua plenitude, intui Sua Vontade e age de acordo. O sábio não passa necessidades porque sabe como evitá-las. O sábio não encontra dificuldades porque em uma única coisa, que é única com aquele Ser, ele já conhece o que tem que conhecer e sabe tudo que precisa saber. O sábio não luta contra vida, que ele sabe ser o movimento que aquele Ser imprime em toda a sua extensão.
Em que consiste a felicidade e por que apenas o sábio a atinge? A esta altura mesmo um adulto conseguiria responder, pois uma criança já sabe a resposta. O sábio, que partilha mística e ativamente a Unidade com o Ser que É, vence as ilusões do mundo artificial da sociedade, ele enxerga diretamente para o Ser, que se mostra nas coisas, e sabe que ele e Ele são a mesma coisa. O sábio então atinge a verdadeira felicidade: a total Unidade como esse Ser, de tal modo que o sábio perde sua identidade e sua individualidade e funde-se à desse Ser, e então ele e Ele são a mesma coisa.
Nossa sociedade luta ativamente contra isso, da mesma forma que um parasita mantém seu hospedeiro vivo enquanto lhe convém. Nós não precisamos da sociedade, assim como a célula não precisa do organismo. A sociedade não vive ou sequer existe sem nós, assim como o organismo precisa de suas células. Por isso ela fecha os olhos dos homens para a sabedoria e para a felicidade, oferecendo simulacros destas para aquele.
O homem basta a si, e dessa verdade, que não é a maior mas é a primeira, a sociedade e os homens têm muito mesmo. Aquela porque a verdade seria o golpe fatal; estes porque aquela lhes incultiu o medo. Mas é preciso libertar-se, e isso foi o que o Grande Mestre quis dizer com "Segue-me". Nós podemos ser felizes, mas precisamos nos tornar sábios antes.
Pequeno ensaio de metafísica
É pobreza de espírito acreditar que certas coisas não existem - como crer que a realidade se limita ao pouco que nossos cinco sentidos mais nossa razão atingem tocar no mundo exterior? E mais: limitado é aquele que ignora um fato por conta de crenças (opiniões) pessoais - isso é negar o próprio mundo, e no processo a pessoa estaria negando a si mesma, gerando um paradoxo de raízes profundas. E mais: aquele que enxerga como verdade apenas a sua verdade - desconsiderando o evidente fato de ser um objeto dotado de substância humana, e por isso estar sujeito a erros - ignora que todos os possíveis fatos dentro de um mesmo espaço lógico são igualmente possíveis - assim como todas as tautologias são igualmente possíveis. Para existir o certo há de existir o errado, e para existir o errado há de existir o certo - certo e errado são apenas combinações de objetos mutuamente excludentes, nada mais. Do mesmo modo certos pares de opostos tem que existir definidos um em função do outro - como Mestre Heráclito propôs sabiamente. Não há o verdadeiro sem o falso, o bom sem o mau - a existência de um não pode ser simplesmente definida como a ausência do outro - é como pensar que o ar é a ausência da terra - existem infinitos elementos entre -1 e +1 - verdadeiro e falso são apenas convenções complexas para reduzir a lógica de nossa linguagem a dois valores de verdade. E mesmo quando um objeto pode ser definido em função da ausência de um outro objeto, é preciso que o objeto ausente seja o existente - não é aceitável dizer que a extensão é a ausência de vazio - não existe forma de produzir o vazio que não seja retirar a extensão - não se pode apertar um botão que gere trevas - um buraco negro não emite sombras, ele simplesmente suga a luz - só pode haver escuridão onde não há nenhuma fonte de luz.
Pitágoras e seus discípulos - dentre eles os mais notáveis são Platão e a Santa Igreja - apontaram que a esperança do Homem está em sua Pátria Estrelar, no Mundo das Idéias, no Reino dos Céus. Enquanto o Caminho do Abismo leva às trevas, a Via Transcendente leva à luz - eis um fato tão antigo quanto os Mistérios de Osíris. A Lei do Livre-Arbítrio é mais velha que os Santos Mistérios do Deus Ressuscitado - Crowley apenas mostrou seu conhecimento sobre cristianismo.
Acusar os outros de ressentimento agindo como ressentido é no mínimo duvidoso.
Pedido SINCERO de desculpas
terça-feira, 3 de março de 2009
Ceticismo em Renée Descartes: a Dúvida Metódica como Método para se Atingir a Certeza Inabalável nas Meditações e sua Conseqüência
Conforme evidenciado pelo próprio Descartes em sua carta ao deão e aos reitores da Universidade de Paris, as Meditações foram escritas como sendo um tratado de metafísica, e, como tal, deveria servir de base para sua física, na época a ser escrita. Assim, é natural que Descartes se dedicasse, antes de todo o resto, a encontrar um conhecimento que fosse verdadeiro e seguro, isto é, à prova de dúvidas, posto que, se fundamentasse todas suas conclusões em um princípio indubitável, todo o resto também o seria.
A originalidade de Descartes não está em querer encontrar um princípio indubitável anterior a todos os outros princípios – podemos seguramente dizer que, em Filosofia, o iniciador dessa tendência foi Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo. O grande mérito de Descartes foi ter partido de um ceticismo radical para encontrar sua verdade axiomática, e mais: do fato de duvidar da existência ou da validade dos objetos que o cercavam ele concluiu ser um algo que duvidava, isto é, um algo que existia. O percurso da dúvida cartesiana, também chamada dúvida metódica ou ceticismo metódico, evidencia, também, um grande problema inerente ao ceticismo: esconder um dogmatismo por detrás de sua suspensão do juízo.
Ao longo deste trabalho serão vistos o percurso da dúvida cartesiana, a formulação do cogito ergo sum e a implicação da obtenção de uma certeza dogmática a partir de um ceticismo bastante radical, como se verá a seguir. Após essa ligeira apresentação, segue-se uma conclusão de cunho pessoal aos fatos apresentados.
1. O Caminho da Dúvida Cartesiana: das falsas opiniões tidas como verdadeiras à dúvida generalizada
Descartes inicia as Meditações anunciando que recebera em sua formação “muitas falsas opiniões como verdadeiras”[1], e tendo fundado suas próprias opiniões nessas recebidas deveria empreender árduo trabalho para livrar-se de todas as opiniões e recomeçar do zero, “se quisesse estabelecer algo de firme e constante nas ciências”[2]. Para isso, propõe-se a examinar todas suas antigas opiniões e rejeitar aquelas nas quais encontrasse o menor sinal de incerteza – não uma a uma, mas as maneiras pelas quais as recebera, pois “a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício”[3].
Assim, ele inicia analisando a maneira mais imediata pela qual ele recebeu suas certezas: os sentidos, seja por experiência direta (por exemplo, ele viu uma árvore), seja por experiência indireta (alguém descreveu para ele uma árvore). Descartes logo os desqualifica, argumentando que fora enganado por eles mais de uma vez e que não seria prudente confiar em quem já o enganara antes. No entanto, os sentidos enganam quanto a objetos distantes, que emitam sons fracos ou que de alguma forma apresentem-se à percepção de maneira obstruída ou diminuída, mas que não é possível, em sã consciência, admitir que os sentidos enganam quanto a fatos próximos: que se possui um corpo, que este corpo está vestido e que este corpo no presente momento lê estas palavras são dados obtidos pelos sentidos mas que, para Descartes, negá-los suporia alguma enfermidade mental[4].
Mas logo a seguir ele analisa que já teve essas mesmas experiências “imediatas”, por assim dizer, em sonho, e que várias vezes essas experiências oníricas foram aparentemente tão ou mais reais que aquelas experiências “imediatas”. Para Descartes isso representa uma dificuldade, pois não existe nenhuma forma segura de saber quando se está dormindo ou quando se está acordado. Mais: as imagens vistas em sonho são produzidas a partir de experiências reais vividas pela pessoa que sonha, por um processo de composição semelhante ao usado pelos pintores para criar suas telas. Assim, ele conclui que coisas como mãos, pés, corpos, etc., devem existir (pois senão nenhum sonho poderia usá-los em suas composições), mas isso não necessariamente garante que a pessoa estaria acordada. Assim, é posto em dúvida a validade dos dados obtidos pelos sentidos mesmo em situações de experiências “imediatas”.
No entanto, mesmo em um sonho a soma dos quadrados dos catetos será igual ao quadrado da hipotenusa em um triângulo retângulo. Mesmo em um sonho determinadas formas geométricas conservarão suas propriedades. O número “quatro” designa a mesma quantidade de objetos seja em vigília ou em sonho. Os objetos da Matemática – tidos como os mais simples e gerais, para Descartes, e como os caracteres com os quais Deus escreveu o Livro da Vida, para Galileu[5] – possuem existência independentemente de existirem na natureza: existindo ou não um quadrado na natureza, todo quadrado possui quatro lados, duas diagonais e área igual ao quadrado do lado. Para Descartes, as verdades matemáticas são tão patentes e evidentes que não seria possível haver nelas qualquer falsidade ou incerteza.
Neste ponto Descartes parece ter encontrado alguma certeza inabalável. Mas a demonstração carece de uma “cláusula de fechamento”, isto é, de algum termo que demonstre se mesmo essas certezas matemáticas são infalíveis ou não. Uma prova empírica e imediata da falsidade da proposição “as certezas matemáticas são infalíveis” seria uma pessoa cometer algum erro em alguma operação matemática simples, tal como as crianças geralmente o fazem enquanto estão aprendendo a tabuada – logo, a matemática não possui esse caráter infalível (reductio ad absurdum). Mas poder-se-ia argumentar que a pessoa que cometeu o erro estava tomada por alguma disposição que a levou errar de maneira tão gritante, e, generalizando esse argumento, Descartes apresenta a seguinte hipótese: se Deus é onipotente, ele pode fazer qualquer pessoa se enganar mesmo quanto às mais simples operações matemáticas. Mas, dado alguns de seus leitores não acreditarem no Deus da Igreja, Descartes reformula sua hipótese, atribuindo seus enganos a alguma imperfeição inerente a si. Se ele é dotado desse tipo de imperfeição, que o leva a cometer enganos, então necessariamente todos os seus conhecimentos anteriormente adquiridos devem ser postos em dúvidas, pois não se poderia discernir quais conhecimentos estão corretos dos quais se cometeu um engano. Com isso Descartes não apenas lançou a dúvida mesmo para além da cristandade como também a universalizou, visto que mesmo sendo obra de Deus o homem é imperfeito e, portanto, passível a erros e enganos.
Mas, para conduzir seu projeto de demolir seus conhecimentos prévios, sobre os quais recai a dúvida por este ou aquele motivo, Descartes reconhece que precisará de grande esforço, pois ele admite não ser fácil livrar-se de idéias com as quais convivera por muito tempo. Assim, ele recorre ao Gênio Maligno, artifício psicológico “que empregou toda a sua indústria em enganar-me”[6]. Assim, mesmo que ele não consiga demolir suas idéias potencialmente enganosas, Descartes pelo menos conseguirá suspender seu juízo sobre elas, e portanto terá atingido pelo menos parte de seu objetivo: livrar-se das falsas idéias recebidas desde a mais tenra infância.
Lançando, pois, mão do Gênio Maligno, Descartes garante a efetividade de sua dúvida: nem mesmo o hábito, o costume, a tradição ou o que quer que seja será capaz de impor verdades, pois estas serão tratadas como ardis do Gênio Maligno. Desta maneira Descartes conseguiu abalar e efetivamente demolir todo o edifício de suas idéias anteriores, pondo-se na posição cética de suspensão do juízo, isto é, o reconhecimento da impossibilidade de dizer que algo é verdadeiro ou falso. Existe apenas a dúvida, e até o presente momento da argumentação Descartes é apenas algo que duvida.
2. A Primeira Certeza Inabalável: como a dúvida radical se converte no pilar das novas certezas cartesianas
Vimos anteriormente como Descartes facilmente desmontou todo o seu conjunto de verdades adquiridas desde a mais jovem idade, e vimos em que situação ele ficou. Toda a possibilidade de conhecimento verdadeiro, pois, fica vedada até que ele encontre uma nova certeza inabalável a partir da qual ele possa reestruturar todo o conjunto. Vimos que ele não tinha mais nenhuma certeza, que Descartes se reduziu a um algo que duvida – não a uma pessoa que duvida, pois mesmo sobre o fato de que ele possui um corpo, etc., pesa a suspensão do juízo provocada pela ação do Gênio Maligno.
Mas será que Descartes – compreendido aqui como esse algo que duvida – de fato existiria? Se esse algo não possui corpo, visto que esse corpo é uma ilusão engendrada nele pelo Gênio Maligno, se um mundo exterior não existe, graças ao mesmo ardil, como esse algo que duvida existe? Decerto esse algo existe, posto que pôde se convencer de que seu corpo e o mundo exterior a ele eram ilusões geradas nele pelo Gênio Maligno. Mais forte que isso: esse algo existe porque está sendo enganado pelo Gênio Maligno. Mais forte ainda: se esse algo não existisse, o Gênio Maligno não estaria enganando esse algo. Por conclusão, e aqui está toda a originalidade de Descartes: enquanto sou enganado pelo Gênio Maligno, enquanto estou na dúvida que ele me engendra, eu existo, ou, na fórmula dada por Descartes à conclusão, eu sou, eu existo – mas apenas enquanto eu a estou enunciando atualmente ou pelo menos enquanto estou sendo enganado pelo Gênio Maligno. Obteve-se, pois, a primeira certeza inabalável.
Descartes, com essa manobra, arrancou do Gênio Maligno sua primeira certeza inabalável, ou, mais precisamente, arrancou de seu ceticismo radical uma certeza que nem mesmo esse ceticismo poderia por em dúvida. É importante notar que o cogito não é a mais importantes das certezas inabaláveis concluídas por Descartes nas Meditações, mas serve como ponto de partida para a obtenção das outras.
3. Uma Certeza Inabalável Arrancada de um Ceticismo Radical: a conseqüência desta possibilidade
Qualquer ceticismo radical, tal como o pirrônico, encontra-se com alguns grandes problemas, conforme percebido por vários autores, dentre eles o professor Roberto Bolzani Filho. Porém vou me deter em apenas uma, evidenciada no texto das Meditações: a obtenção do cogito por Descartes é justamente um dos maiores problemas enfrentados por esse tipo de ceticismo. É importante salientar que essa dificuldade não atinge Descartes, posto que seu ceticismo radical foi apenas metodológico, isto é, serviu justamente para chegar ao cogito.
Em sua forma clássica, o ceticismo afirma que não é possível encontrar nenhum conhecimento verdadeiro e, portanto, deve-se suspender o juízo, isto é, abdicar da possibilidade de distinguir conhecimentos válidos dos falsos. É quase como afirmar “não se preocupe com aquilo para o que você não vai nunca ter resposta – em vez disso, vá viver, pombas!”. Mas já nessa afirmação levemente jocosa evidencia-se a dificuldade enfrentada pelos céticos: se eu suspendo meu juízo, eu tenho que ser algo capaz de fazer isso – ou, como diria Descartes, para que eu possa duvidar eu tenho que ser algo que duvida, portanto eu tenho que existir indubitavelmente. Mas se o cético suspende seu juízo sobre tudo, e isso inclui ele mesmo, logo ou ele admite que pelo menos sobre ele mesmo não poderá suspender seu juízo ou ele aceita que os seus discursos não existem, visto que ele não existe, e portanto o ceticismo seria logicamente impossível.
Mais do que isso: obter algum tipo de certeza inabalável a partir de qualquer forma de ceticismo radical faz com que necessariamente qualquer forma de ceticismo radical esteja fundamentada em algum tipo de certeza inabalável. Descartes, por exemplo, só pode conduzir sua dúvida metódica porque ele era algo que duvidava, algo que existia enquanto duvidava. Qualquer cético radical só poderá suspender seu juízo se ele for algo que existe e capaz de suspender seu juízo e essa existência for indubitável – ou seja, dogmática. Assim, anterior ao ceticismo e fundamental a ele encontra-se sub-repticiamente o dogma da existência do algo que suspenderá seu juízo. Todo o resto pode ser posto em dúvida e até mesmo se revelar como falso, mas o algo que suspenderá seu juízo não poderá jamais deixar de existir indubitavelmente.
4. Conclusão
A partir da análise ligeira da obtenção por Descartes de sua primeira certeza inabalável, podemos perceber a contradição intrínseca inerente a toda e qualquer forma de ceticismo radical, a saber: a necessidade da existência indubitável – e portanto sobre a qual não se poderia suspender o juízo – de um algo que suspende seu juízo sobre as demais coisas. O ceticismo radical, em qualquer uma de suas formas, é contraditório, e portanto não se sustenta frente a uma análise mais atenta.