Manual de Instruções

Caros leitores, após muito tempo decidi quebrar alguns de meus votos de silêncio. Um deles inclui voltar a escrever por aqui. O outro, falar de política. Tarja Preta versão 3.0, divirtam-se!
Caso você encontre em algum dos meus textos algo interessante e queira compartilhar com seus amigos ou em seu site, revista, jornal, etc., sinta-se à vontade. Basta indicar a fonte e recomendar a leitura do blog, e todos os textos que estão aqui estarão ao seu dispor.

P. S.: decifra-me ou devoro-te!

quinta-feira, 12 de abril de 2007

As Aventuras de Mestre Cavalheiro na Floresta Velha em Busca do Potinho de Manteiga

Tudo começou quando a irmã de uma certa pessoa resolveu pedir o impensável:
- Meu creme de cabelo acabou! Você iria comprar um outro potinho dele para mim?
Como em parte o motivo para o tal creme ter acabado foram os meus cabelos, eu decidi mover o meu traseiro gordo e ir até a loja para ela. Nada demais, vocês diriam... e não teve nada demais mesmo. Eu saí do trabalho, passei na loja (na Tijuca), comprei o creme (cuja embalagem parece o potinho da margarina Qualy®), fui para a faculdade e de lá eu fui para casa.
Sem graça, como a vida costuma ser.
Já que aqui cabe também narrativas fantásticas e ficcionais, vamos fazer com que esse passeio seja algo que mereça ser contado. A qualidade do conto será julgada pelos meus inexistentes leitores.

Fazia frio no final da tarde do décimo dia de Pós-Lite, mas estava nosso amigo caminhando valentemente pela solidão dos limites da Floresta Velha. Não havia alma viva pelo caminho, e não havia nada de bom naquele lugar - mas nosso amigo sabia que teria que enfrentar a Sombra que ali jazia, pois apenas assim ele poderia recuperar o lendário Potinho de Manteiga que milagres fazia pelos cabelos cacheados. Lá estava ele, o vento brincando em algumas das folhas mais alegres das árvores que com um simples sussuro pareciam dizer muito mais do que um simples "vá embora". Havia passos na terra preta que cimentara na trilha, indicando que algo muito estranho poderia estar passando por ali.
Nosso amigo pára na entrada da trilha, e ele logo se lembrou de que uma vez lá dentro apenas com o Potinho poderia sair - mas isso não o impediria: nada deteria aquele que foi forjado nos relés do eletrotratamento. Munido de sua coragem, de um clip de papel e de alguns biscoitos esquecidos em algum lugar de sua mochila, lá foi ele pela estrada afora, bem sozinho. Por horas de intermináveis segundos ele caminhou, o vento como único companheiro e a música das folhas e das árvores e dos animais como único deus que ele pudesse venerar. Mas nada que não fosse a estrada aparecia perante seus olhos, já cansados pela mesma mesmice em eterna mudança da paisagem da trilha. Árvores são tediosamente iguais em sua teimosia em ser diferentes umas das outras.
Logo na primeira clareira ele encontra uma mulher: não era nada que em outras circunstâncias fosse digno sequer de nota mental, mas ali, naquele ambiente inóspito, cercada por potes e vasilhas das mais variadas formas, adquiria os contornos de um daimon, o próprio Eros inspirando Sócrates em sua caminhada rumo ao Bem.
- Em que posso ajudá-lo, senhor?, disse ela com uma voz que em outros lugares seria apenas uma voz, mas ali era a Voz.
- O Potinho de Manteiga está aqui?, disse nosso amigo, com uma voz que parecia ter sido tirada de um dos filmes do Pee Wee.
- Não senhor. Procure na próxima trilha.
Nosso amigo parte em direção a uma outra trilha. No caminho ele encontra um velho de baixa estatura usando uma jaqueta azul e botas amarelas conversando com três garotos. "Velho pedófilo", pensou nosso amigo enquanto se afastava e antes de escutar a cantiga:

O velho Tom Bombadil é um bom camarada
Azul é sua jaqueta e sua bota é amarelada!

Ele passa por uma outra mulher, e essa era a Mulher. Com sua voz dos doces anjos de Lúcifer ela oferece o seu Sagrado Potinho ao nosso amigo, que educadamente rejeita.
- O que você quer, então?
- Procuro o Potinho de Manteiga, e não saio desta floresta sem ele.
- Você rejeita o meu Potinho Sagrado?
- Sim.
- Então vá por esta trilha.
Nosso amigo então chega em uma caverna, e nessa caverna estava uma jovem mulher, que muito bem poderia ser a Filha da Mulher - se o Filho do Homem quis salvar o mundo, nada melhor do que a Filha da Mulher para guardar o Potinho de Manteiga.
- Boa tarde, jovem homem, saúda a Filha da Mulher eu sua voz divina. Posso ajudá-lo?
- Pode sim. Eu quero o Potinho de Manteiga.
- Aqui está senhor. Mais alguma coisa?

Viram só? É mais interessante de se ler do que a vida como ela é, ainda que esteja mal escrito e seja puramente ficcional.

Uma das Passagens Mais Marcantes do RPG Eletrônico de Todos os Tempos

Oh my hero, so far away now. Will I ever see your smile?
Love goes away, like night into day. It's just a fading dream...
I'm the darkness, you're the stars. Our love is brighter than the sun.
For eternity, for me can there be, only you, my chosen one...
Must I forget you? Our solemn promise?
Will autumn take the place of spring?
What shall I do? I'm lost without you.
Speak to me once more!

(Celes, Final Fantasy VI, na Opera House em Jidoor)

quarta-feira, 11 de abril de 2007

O eu-infantil e o eu-adulto: como reaprender a ser quem se é

"A Razão é um grande empecilho para os homens, pois os cega para coisas tão simples que mesmo uma criança consegue entender"
Sto. Agostinho


Não resisti e acabei citando essa passagem primorosa de Santo Agostinho. É válido dizer, com todas as letras, que o homem, valendo-se da razão, conseguiu atingir conhecimentos espantosos e construir engenhos incríveis: hoje conhecemos nosso código de DNA (o que me espanta, visto que geneticamente somos mais parecidos com ratos do que com os chimpanzés), temos satélites geoestacionários capazes de ler o jornal de uma pessoa, e outras maravilhas assim. Mas a razão, e o rigor lógico que ela nos exige, acaba nos cegando para alguns fatos mais simples mas que para os quais não existe demonstração racional. Tem coisa que é porque é, e esse tipo de coisa a Razão jamais vai conseguir atingir. Vou citar um exemplo: Santo Agostinho era um grande filósofo pagão que racionalmente contestava (e ele tinha argumentos bons) coisas como a Santíssima Trindade, a existência de deus, etc. Em um belo dia, ele estava caminhando numa praia e viu um garoto que ia até da beira d'água até um ponto específico, repetindo esse movimento constantemente. Santo Agostinho se aproximou e perguntou ao garoto o que ele estava fazendo. A criança respondeu: "estou tentando encher este buraco na areia com esta concha". Santo Agostinho olhou para o buraco, que tinha mais ou menos seis pés de diâmetro, e olhou para concha, que sumia nas mãos pequeninas do garoto. Surpreso, ele exclama: "Mas você nunca vai conseguir completar sua tarefa. Isso é impossível". A criança responde: "assim o é tentar entender o mistério da Santíssima Trindade. Por que me condenas por tentar encher um buraco com água?"
Exemplo fantástico, na minha opinião. Simplesmente há coisas que a Razão nunca vai atingir entender, pelo menos no estágio em que ela se encontra agora. Não há como racionalmente explicar porque algumas pessoas se sentem como crianças de castigo, outras se sentem como o Unabomber e outras ainda nem se incomodam com o fato de estarem se sentindo isoladas e esquecidas pelo mundo. As pessoas se sentem assim porque se sentem, e para elas esse motivo é necessário e suficiente para se comportarem da maneira como se comportam. Mas a questão é: a maneira como a pessoa se comporta nunca lhe é imposta. Ela pode até aceitar algum padrão comportamental que lhe seja estranho, mesmo que esse padrão lhe seja imposto pela força, mas se a pessoa não quiser aceitá-lo simplesmente não aceita e fica tudo resolvido. Lembre-se da resistência não-violenta que os indianos, liderados pelo Mahatma Mohandas Karamanchand Gandhi, ofereceram à Inglaterra e pergunte-se se eles aceitaram os padrões comportamentais que os britâncos impunham pela força. Isso leva à seguinte conclusão: a pessoa se comporta como quer se comportar, mesmo que esse querer não seja aparentemente uma decisão deliberada e consciente. Ou seja, mesmo que não pareça, a pessoa se comporta tal como ela quer se comportar, seja consciente ou inconscientemente. Quando estamos incomodados por algum comportamento nosso, simplesmente podemos mudar isso.
Vamos ao pulo do gato, agora. Podemos intitular essa parte inicial deste texto como "Curso Prático de Re-educação Comportamental", mas eu abdico dos rótulos - eles calcificam demais um pensamento muito solto e insano como o meu. A questão que eu levanto aqui é: como mudar nosso comportamento perante o mundo. Não há nada de misterioso ou esotérico nisso, e é algo tão simples que por esse motivo passa totalmente desapercebido aos olhos de todos. Vamos às considerações iniciais.

1) A relação eu-outros e o eu-infantil

Com certeza podemos fazer uma classificação muito simples e intuitiva acerca dos objetos que existem no mundo, adotando o observador como referencial: todos os objetos que sejam iguais ao eu ficam em uma classe, e todos os objetos que não sejam iguais ao eu ficam em uma outra classe. É algo simples e intuitivo: mesmo uma criança é capaz de dividir o mundo em eu e os outros - e efetivamente o faz. Qualquer um sabe a diferença entre si mesmo e qualquer coisa que não seja isso. E será com base nessa diferenciação que iniciaremos essa pequena discussão sobre como alterar o próprio comportamento. Aliás, nesta primeira parte a metodologia será partir das constatações de fato para as conclusões, como todo e qualquer estudo sobre a psicologia humana deve ser.
Sabemos desde o berço que existe um mundo exterior ao nosso eu. A criança percebe isso de maneira rudimentar, pois o mundo para ela é muito pequeno: seu berço, sua mãe, seu pai, e outros elementos que ela poderia (pelo menos na maioria dos casos) enumerar nos dedos se soubesse contar. Conforme a criança cresce o mundo dela vai se expandindo, pois ela passa a perceber mais coisas e a acrescentá-las à sua aparência de realidade: os amigos de escola, as pessoas que ela vê nas ruas, as coisas que existem pelo mundo. Nessa hora acontece uma das maiores desgraças que o homem é obrigado a atravessar: a criança passa a se ver obrigada a saber diferenciar-se dos outros, isto é, ela se vê forçada a adotar uma identidade. Digo adotar de maneira bem proposital: a criança forma sobre si uma imagem que é o reflexo daquilo que as outras pessoas vêem nela e para ela dizem. "Você é um bom filho", "você é bonito", "você é uma criança má", e outras frases desse tipo são comuns ao universo da criança e, gradualmente, ajudam-na a compor uma identidade que será adotada. A criança adota uma identidade para si que é reflexo daquilo que os outros pensam sobre ela. E não tem como ser de outra forma, pois uma criança raramente (eu diria impossivelmente se eu não fosse fã da chamada possibilidade mínima) possui o discernimento necessário para ter de si opiniões próprias.
Conforme a criança cresce ela vai tornando a sua aparência de realidade mais complexa: ela acrescenta mais professores e amigos, esportes, namorados, empregos, vestibulares, filhos, fracassos e todas essas mazelas que acompanham o gênero humano desde que este assim o quis. Só que ninguém ensina para ela uma coisinha simples e banal: como criar uma figuração de si mesma, ou seja, como criar uma identidade sem ter que se basear nas figurações que os outros têm sobre ela. Assim sendo, a criança, agora um adulto, não sabe como ver a si mesmo ou, se o faz, não sabe criar a partir dessa auto-visão uma figuração de si mesma e, a partir desta, uma identidade. A criança se define em função do que os outros lhe dizem sobre ela. Um exemplo típico de resposta à pergunta "quem é você?": eu sou Fulano de Tal (um nome que outra pessoa deu para ela), estudei nas escolas X, Y e Z (títulos que outras pessoas deram para o Fulano), sou formado no curso Tal (mais um título), sou amigo de Sicrano e Beltrano, casado com Fulana e pai de Sicrana e Beltrana. Nada nessa resposta diz como Fulano de Tal se vê, mas sim como os outros vêem Fulano de Tal.
Nesse primeiro momento o eu só existe em comparação ao outro e, por causa disso, está sujeito a toda e qualquer coisa que o outro faça ou sofra. Se nos afeiçoamos a uma pessoa, sofremos quando essa pessoa nos destrata. Se nossa auto-figuração inclui um determinado emprego, estaremos desorientados se perdermos esse emprego. Se acontece algo no mundo que não é do nosso agrado, ficamos tristes ou revoltados, conforme for pertinente ao caso. Por isso vou dar o nome de eu-infantil a esse eu que se define sempre em dependência ao outro, tal como uma criança é sempre dependente de um outro ser humano mais velho do que ela. Mas, continuando, nosso eu-infantil nos leva a comportamentos que visam evitar esses sofrimentos, essas perdas, porque sofrimento é justamente isso: nosso eu-infantil sofrer algum abalo inesperado. Ninguém quer sofrer, e essa é a única verdade universal sobre a natureza humana que eu creio existir, e por isso se nosso eu se define em termos do outro vamos buscar algum comportamento que impeça o sofrimento. Em outras palavras, para não sofrer nós nos comportamos da maneira que o outro espera que nos comportemos. Assim aguentamos destratos de um chefe porque não queremos perder um emprego; aguentamos os desaforos de uma pessoa amada porque não queremos deixar de ser amados por essa pessoa; nos comportamos tal como um grupo quer que nos comportemos porque queremos ser aceitos por esse grupo.
Nosso eu-infantil nos leva a fazer coisas que não necessariamente queiramos fazer, e esse é o problema. O outro (agora definido em termos de não-eu) pode nos causar um sofrimento por meio de uma aparente rejeição. Como nosso eu-infantil se define exatamente pelo outro, quando este nos rejeita simplesmente perdemos nossa identidade se esta estiver definida pelo eu-infantil. Nessas horas pensamos que o mundo nos virou as costas, que estamos sendo perseguidos, ou qualquer coisa similar - mas simplesmente porque perdemos o referencial para nossa identidade. Não sabemos mais quem somos, e por isso sofremos muito: nosso eu-infantil sofreu o maior dos abalos possíveis, que é justamente ter sua identidade descaracterizada. A incerteza é um grande mal para a mente humana, e possuir incertezas sobre a própria identidade pode ser um abalo esmagador - basta dizer que muitos tipos de loucura tem como base fundamental uma incerteza muito profunda acerca da própria identidade. Mas sempre haverá incerteza sobre a própria identidade se esta estiver sendo definida pelo eu-infantil, pois nem sempre podemos saber todas as figurações que o outro possui de nós. Portanto, ter uma identidade definida pelo eu-infantil é estar sempre sofrendo.

2) A relação eu-eu e o eu-adulto

O grande problema do eu-infantil, conforme vimos na parte anterior do texto, é se definir em função do outro e, com bases nessas definições precárias, definir a identidade que será adotada pela pessoa. Por causa disso, o eu-infantil é o motivo pelo qual as pessoas sofrem, pois sempre estarão incertas sobre quem elas são de fato. A pergutna que se segue aqui é: será que é possível existir um outro eu que defina de uma maneira diferente a identidade que a pessoa irá adotar? A resposta é sim, existe um outro eu, que por oposição vou chamar de eu-adulto, capaz de definir uma identidade sem apresentar os problemas do eu-infantil. A metodologia desta parte do texto será diferente da metodologia da parte anterior: aqui tratarei o assunto de maneira expositiva-demonstrativa, já que são poucos os exemplos conhecidos pela população em geral de pessoas que possuem um eu-adulto.
Meio que intuitivamente tem-se a idéia de como o eu-adulto surge: quando a pessoa passa a fazer figurações de si mesma e, a partir dessas figurações, define uma identidade que irá adotar. O eu-adulto aparece quando a pessoa passa a olhar para dentro de si mesma e percebe que nada daquilo que sua identidade diz sobre ela ela é de fato. Por exemplo, poucas pessoas podem perceber que outras pessoas são gentis, ainda mais quando a pessoa gentil é tímida. A própria pessoa, no entanto, pode perceber isso se olhar diligentemente para si mesma, para seu interior. Ela então percebe que existe um eu ali, escondido e soterrado pela massa conceitual inútil e morta importada do outro pelo eu-infantil. Quando fazemos a faxina interna abrimos espaço para que esse eu - o eu-adulto - se manifeste e, a partir desse momento, passe a mostrar para nós qual é nossa verdadeira identidade. O eu-adulto não nasce a partir de um construto, um Frankenstein montado pelas peças cadavéricas obtidas junto ao outro, mas ele nasce junto com a pessoa, sendo uma espécie de luz interior que ela possui mas que ninguém a ensina como usar. Na verdade, veremos (se couber no escopo deste texto) que essa luz interior é a centelha divina, o princípio pelo qual todo e qualquer ser está interligado aos demais e por meio do qual os seres podem transcender a mortalidade e tornarem-se deuses.
Como mostrei na parte anterior do texto, o eu-infantil define uma identidade que a pessoa irá adotar a partir das figurações que o outro faz dessa pessoa. O eu-infantil recolherá todas as figurações do outro sobre a pessoa e as guardará dentro da pessoa, para posteriormente separar o que interessa do que não interessa. Com o que interessa o eu-infantil define a identidade a ser adotada pela pessoa, mas ele não descarta as figurações que não o interessa: elas ficam guardadas no interior da pessoa, soterrando o pobre-coitado do eu-adulto. Esse processo começa ainda no berço, pois é fato que bebês reagem mais afetivamente às pessoas que de alguma maneira os agradam, e é um dos motivos pelos quais as pessoas quase sempre nunca encontram seus eus-adultos. Quando chega uma determinada fase da vida, o interior da pessoa está tão atulhado com essas figurações não usadas que simplesmente não tem nem mesmo espaço para mais figurações, que passam a ser armazenadas na identidade da pessoa. É essa a origem de coisas como rancor, inveja, ódio e esses sentimentos tão detestados da boca para fora e tão amados da boca para dentro: eles são detestados porque ninguém os elogia, mas amados por serem cuidadosamente guardados na identidade da pessoa.

Considerando que o eu-adulto é justamente o primeiro item a ocupar esse quartinho de despejo, ele certamente vai estar completamente soterrado e invisível quando a pessoa tem condições de se valer de todas as vantagens que ele tem para oferecer. Muitas pessoas quando atingem a capacidade que dentro delas existe um quartinho de despejo superlotado com coisas que o eu-infantil delas foi juntando ao longo do tempo simplesmente estão tão acomodadas com a identidade que ele as forneceu que nem sequer mexem no quartinho para ver o que tem lá. Outras ainda se interessam em olhar para o quartinho, mas percebem que mexer nele vai dar muito trabalho e, por isso, desistem da tarefa. Outros ainda começam a revirar o quartinho para ver se tem alguma coisa aproveitável nele, mas desistem na primeira dificuldade - geralmente imposta por uma necessidade da identidade adotada em função do eu-infantil. Isso é mais do que natural: o eu-infantil sabe que se o eu-adulto assumir a pessoa vai ser atirado em um lugar muito pior que o quartinho de despejo no qual ele soterrou o eu-adulto. Mas é justamente essa tarefa - esvaziar o quartinho de despejo e encontrar ali o eu-adulto - que qualquer pessoa que queira ser feliz deve realizar, e encontrar o eu-adulto é a tarefa que coroa a senda do Iluminado.
O segredo da felicidade é justamente esse: encarar o quartinho de despejo, lançar fora todas as figurações do outro que o eu-infantil guardou ali e encontrar o eu-adulto. É um processo de auto-análise e auto-reflexão, e pode ser muito complicado para aqueles que não possuam nenhuma familiaridade com o assunto. É um trabalho sobre si mesmo, no sentido de que exige esforço e dedicação para efetuar essa mudança radical sobre si mesmo. É como temperar ferro até que ele se torne aço: você deve trabalhar o ferro incandescente para livrá-lo de todas as suas impurezas até que ele se torne o firme aço. O processo requer esforço, atenção e observação constantes, pois apenas dessa forma se consegue atingir as camadas mais antigas de sujeiras e trastes do quartinho de despejo para enfim libertar o eu-adulto. A pessoa deve ser vigia de seus atos, deve sempre se perguntar "mas é isso que eu quero fazer?", deve sempre procurar separar o que é ela e o que o outro pôs nela. Somente nós mesmos podemos ver o que está nesse quartinho de despejo, e por causa disso somente nós mesmos podemos tentar jogar esses trastes fora. Outras pessoas podem tentar nos ajudar, mas a ajuda delas se limita a apontar o que deve ser feito - ninguém pode lhe dizer como isso deve ser feito.
O primeiro passo é reconhecer as ações que são originadas no eu-infantil e as que não o são. De início as primeiras serão a esmagadora maioria, visto que ainda se estará operando com a identidade adotada por influência do eu-infantil, e nossos comportamentos refletirão isso. Comportamentos como sermos submissos por causa do medo de perder um emprego, um amor ou um amigo não têm outra origem que não seja o eu-infantil, e como nesses comportamentos em outros podemos perceber as influências que recebemos do outro na constituição da identidade que adotamos. Não se pode ter medo da reação do outro às nossas atitudes, visto que esse medo é uma reação do próprio eu-infantil temendo ser descartado. Devemos seguir no esvaziamento do quartinho de despejo se nosso real objetivo for a felicidade. Jogaremos fora todos os preconceitos, todas as idéias consensuais e todo o ranço que o eu-infantil copiou do outro e armazenou nesse quartinho, e restará apenas o eu-adulto e um quartinho vazio.
O segundo passo já foi descrito por muitos filósofos e um deles, John Locke, deu-lhe o nome de tábula rasa. A idéia é extremamente simples: agora que o quartinho está livre dos entulhos, vamos preenchê-lo com as coisas que realmente serão boas para nós e nos ajudarão a atingir a felicidade. Em resumo, não vamos jogar no quartinho coisas que queremos esquecer que existem, mas vamos guardar nele coisas que vamos usar. Nesse processo será fundamental a sintonia perfeita com o eu-adulto, a centelha divina e o princípio primeiro da humanidade do ser humano. Precisamos saber quem somos realmente, e não como o outro nos olha. Precisamos colocar nesse quartinho não as figurações do outro que não agradaram ao eu-infantil, mas as figurações que nós mesmos temos sobre nós e sobre o mundo. Trata-se de um outro processo de auto-análise e auto-reflexão, mas desta vez em um sentido positivo (encontrar figurações que sejam úteis) e não em um sentido negativo (refutar todas as figurações que o eu-infantil reuniu ao longo de nossas vidas).
Assim o eu-adulto compõe uma nova identidade, que é baseada justamente na figuração que teremos de nós mesmos. Essa identidade nos torna imune aos sofrimentos aos quais éramos sujeitos enquanto tínhamos a identidade providenciada pelo eu-infantil, pois não será o outro quem a definirá, mas nós mesmos. As oscilações nas figurações do outro não afetarão mais nossa felicidade, pois nossa felicidade não se exprime mais pelas figurações que o outro tem de nós mesmos mas sim pelas nossas próprias figurações. Mais do que isso: quando nossa identidade se define pelo eu-adulto, somos quem quisermos ser, e não quem o outro quer que sejamos.

3) A relação entre o eu-infantil, o eu-adulto e o mundo

Já vimos que a fonte do sofrimento é ter uma identidade baseada no eu-infantil e que o segredo para a felicidade é atingir uma identidade definida pelo eu-adulto. Vimos também que a primeira se constrói a partir do que o outro figura da pessoa, e que a segunda se ergue daquilo que a pessoa figura de si mesma. Mas como essas identidades se relacionam com o mundo? Ou, melhor formulando, como é o mundo para uma pessoa que tem uma identidade definida em termos de um eu-infantil e em termos de um eu-adulto? Essas duas perguntas serão respondidas brevemente por dois motivos: o primeiro é que elas se encontram em grande parte respondidas pelo texto, e o segundo é que elas são um convite à reflexão. Sou partidário de que não se deve dar o peixe para o faminto, mas sim ensiná-lo a pescar. Aquele que deseja enveredar-se por esse caminho deve ter em mente que está só e acompanhado ao mesmo tempo: outras pessoas podem dizer o que ele deve fazer, mas ninguém pode dizer como deve fazer.
O mundo para o eu-infantil é definido pelas figurações do outro. Desta maneira, o eu-infantil se coloca numa posição de aceitar a realidade consensual, isto é, as figurações do outro sobre o mundo, sem se importar em questionar ou modificar essas figurações. É uma posição extremamente passiva com relação ao mundo, e sustenta opiniões como "as coisas são desse jeito e por isso não há como mudá-las", "o mundo é um lugar ruim para se viver", e outras posições conformistas ou pessimistas do tipo. Ao mesmo tempo o mundo como um todo existe, para o eu-infantil, em função do outro: o existir não é um existir para-si, mas é um existir para-o-outro. O mundo é uma função matemática definida em relação ao outro, e por isso sempre acaba se trivializando no final.
Já para o eu-adulto o mundo é definido pelas figurações dele. O eu-adulto cria com suas figurações o mundo em que vive, pois não aceita mais passivamente as figurações do outro. Isso não significa que ele rejeita todas sem se questionar, até mesmo porque ele interage com muitos eus-infantis e porque seria uma atitude própria do eu-infantil. O eu-adulto analisa cada uma das figurações do outro e, se as aceita, não é passivamente como o eu-infantil faz, mas sim deliberada e calculadamente. O eu-adulto questiona a realidade consensual no intuito de obter para si (já que o eu-adulto sabe que não pode modificar o outro) uma aparência de realidade muito melhor e mais confortável do que esta que aqui está. O eu-adulto se guia por premissas como "este é o melhor dos mundos possíveis", "a realidade é aquilo que se faz dela" e outras que transmitam os mesmos ideais. O mundo existe, para o eu-adulto, como uma permanente função que vai dele ao mundo: o eu-adulto sabe que o mundo existe enquanto ele estiver ali para percebê-lo, e será tal como ele quiser percebê-lo. O eu-adulto consegue ir mais além: ele se torna capaz de criar um mundo à sua imagem e semelhança, pois ele percebe que o mundo é tal como ele o figurar, ou (o que é a mesma coisa) que o mundo é como ele quiser.

4) O poder da mente sobre a matéria e Considerações Finais

Pelo o que vimos aqui, tornou-se mais claro que o eu-adulto é capaz de feitos simplesmente impossíveis ao eu-infantil. Coisas pequenas deste mundo, como fazer um ônibus aparecer ou ganhar muito dinheiro na Bolsa de Valores ou transformar o escritório em um resort no Tahiti (neste caso, o que mais provavelmente acontecerá é você conseguir um emprego ou uma transferência para o referido lugar) estão ao alcance daqueles que conseguem esvaziar seus quartinhos de despejo e atingir o eu-adulto. Mas ao atingir o eu-adulto simplesmente a pessoa vai querer algo muito maior do que essas simples banalidades - que ajudam muito a vida neste mundo, mas não passam disso: banalidades. Existem estados muito maiores de existência, dos quais conhecemos muito pouco. Um verdadeiro mestre da humanidade, os espíritos de luz que ajudam os homens mortais em suas sendas, todos passaram por esse caminho de atingir o eu-adulto. Agora eles aspiram não os bens materiais, mas os bens espirituais, muito melhores e incorruptíveis. Eu, sinceramente, prefiro ser um deles do que ser uma pessoa muito rica, e por isso não enriqueci. Não vejo esse valor todo que nossa cultura vê no dinheiro; para mim, tê-lo na quantidade necessária para uma vida confortável basta.
Estamos sempre no melhor dos mundos possíveis, e mesmo Voltaire, no auge do deboche em Cândido, concorda com essa afirmação de Leibniz. Mas essas palavras, tais como as que eu escrevi neste texto, se destinam ao coração, e não à mente; se destinam ao espírito, não à razão.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Da realidade do medo

Sentir-se com medo ou deprimido não é demonstrativo de loucura - até bem porque quase nunca se vê um louco que não seja a pessoa mais alegre do mundo particular em que vive. São sentimentos até normais no mundo caótico e degenerado de nossos dias, ainda que ninguém goste de admiti-los. Não sabemos como será nosso dia de amanhã, e isso nos preenche com medo. Não sabemos as conseqüências de nossos atos, e isso nos inunda com o medo. Desconhecemos causas para sermos felizes, e isso nos deprime. Coisa normal demais, tão normal que todos em algum momento de suas vidas passam por fases em que sentem muito medo ou depressão.
O problema nessas horas é quando nos deixamos dominar por esses sentimentos. Sim, pois eles sempre parecem mais fortes do que nós, ainda mais nas situações em que tipicamente eles costumam aparecer: nos nossos momentos de fragilidade. Eles surgem como uma sombra aparente inofensiva, mas que vai tomando um vulto tão grande e intimidador que parece querer esmagar-nos com sua simples presença. Eles surgem nos meandros da mente e lentamente vão caminhando para o subconsciente e para o consciente, fazendo-se sentir mesmo quando não pensamos em nossos problemas ou mesmo não estamos acordados.
Isso acontece porque a maioria de nós se esqueceu do grande poder que a mente e a vontade possuem sobre a realidade tal como ela aparece aos nossos sentidos. Em outras palavras, o mundo é para nós tal como queiramos que ele seja. Como a maior parte das pessoas se esqueceu disso, elas deixam essa função no automático, e o mundo passa a aparecer para essa pessoa nos padrões pré-estabelecidos pelo consenso. Isto é, se eu não usar a minha vontade para perceber o mundo tal como eu queria, eu perceberei o que a maioria está percebendo. A isso eu chamo realidade consensual.
Mas o mundo é diferente para as pessoas que se lembram ou aprenderam o potencial da vontade sobre a aparência da realidade. O mundo deixa de aparecer tal como a maioria das pessoas o percebe e passa a aparecer tal como esse iluminado quer percebê-lo. A mente possui muito mais poder sobre a aparência da matéria do que se possa imaginar. Quando uma pessoa se apercebe desse potencial dela, ela se torna senhora de seu destino, pois o mundo passa a aparecer da maneira que essa pessoa deseja que seja. Essa é uma das chaves para a felicidade: perceber que nossa vontade pode modelar a aparência do mundo.
Mas neste ponto aparece uma questão muito mais freqüente do que se possa imaginar: mas por que se fala na aparência da realidade, e não na realidade mesma? A resposta parece trivial, mas mesmo uma pessoa não acostumada com a filosofia existencialista percebe que tem muito mais coisa na frase "não atingimos a realidade, apenas a aparência dela". Explicando em poucas palavras: não podemos chamar de realidade aquilo que nossos sentidos alcançam perceber, ou então realidade seria um conjunto de impulsos nervosos recebidos e interpretados pelo cérebro. Além disso, não temos como saber se os nossos dados sensoriais coincidem com a realidade, visto que não temos como nos afastar de nossas percepções para averiguar isso. Portanto, o que existe de realidade para cada um de nós é apenas a aparência dela, e é com essa aparência que se deve trabalhar.
Quero ressaltar um ponto muito importante aqui: em nenhum momento estou reduzindo ou negando a importância dos dados empíricos. Pelo contrário: estou afirmando que tudo o que chamamos realidade se define por eles e chegam a nós por intermédio deles. Essa posição não é uma refutação ao empirismo, mas sim um empirismo muito radical que subordina toda a realidade aos dados empíricos. Diferentemente do racionalismo clássico, formulado por nomes como Aristóteles e Descartes, que afirmam existir uma realidade universal e idêntica para todas as pessoas ao mesmo tempo, esse empirismo radical afirma que existem tantas aparências de realidade quantos são os seres capazes de perceber alguma aparência de realidade, desde a bactéria unicelular até gênios como Descartes ou Einstein.
Agora a pergunta "se a realidade existe para o homem apenas como uma aparência, recebida pelos órgãos sensoriais e interpretada pelo cérebro, podemos interagir com outras pessoas?" se mostra muito mais preocupante, pois, pelo o que vimos nos parágrafos anteriores, não temos como saber como a realidade é e, por extensão, não temos como saber como a realidade aparece para as outras pessoas. Mesmo uma resposta negativa não seria muito satisfatória, pois ela aparentemente negaria um dado que nossos sentidos recebem e nosso cérebro interpreta continuamente. A despeito de qualquer análise, essa pergunta admite duas respostas apenas: ou sim, ou não. Mas, como toda boa questão filosófica, a justificativa para essas respostas é que complicam todo o assunto. Analisemos o drama: se respondermos sim, devemos explicar como podemos interagir com outras pessoas sem ter como saber se elas estão percebendo o mundo (isto é, o não-eu) da mesma maneira que nós; se respondermos não, devemos explicar por qual motivo nossos dados empíricos afirmam gritantemente que interagimos com outras pessoas.
Parece-me que a justificativa para ambas as resposta passa pelo mesmo caminho: considerar que não podemos atingir a realidade, mas sim sua aparência. Mas por conta disso torna-se impossível responder "não" à pergunta proposta anteriormente, visto que essa negativa negaria, por extensão, a existência de outras coisas no mundo que não seja eu. Isso torna simplesmente impossível qualquer forma de conhecimento ou comunicação objetiva, já que simplesmente não existe nada no mundo; em outras palavras, qualquer conhecimento ou comunicação não passaria de especulação ou divagação particular. Seríamos como pessoas enclausuradas em ambientes herméticos a sonhar acordadas que existe um mundo ao nosso redor. O problema dessa resposta, e por isso que vou rejeitá-la, pelo menos por enquanto, é que seria uma imensa coincidência que quase todas as pessoas considerem que os objetos caem depois de serem atirados para cima, ou que a mordida de um cachorro cause dor, ou outros dados empiricamente aceitos como verdadeiros. Ou seja, responder "não" força que exista uma configuração bastante improvável de mundo.
Por outro lado, responder "sim" à pergunta proposta traz a seguinte questão: "então, como saber se as outras pessoas estão entendendo o que eu digo da mesma maneira que eu?" Simplesmente não há como, visto que o que se passa no cérebro das outras pessoas não é acessível aos nossos sentidos. Mas devemos concordar as respostas, comportamentos ou outras manifestações que possam ser percebidas empiricamente permitem ao falante perceber de alguma forma se o ouvinte aparenta ter compreendido, e assim pelo menos se salvam as possibilidades de comunicação e conhecimento positivos.
Após essa ligeira discussão sobre a natureza da realidade voltemos ao que realmente interessa. Tendo entendido essa pequena exposição, fica fácil perceber que existe como não se deixar dominar por esses sentimentos de medo ou depressão. Agora parece muito trivial dizer que esses problemas existem porque você quer que eles existam, embora dizer isso de início pudesse parecer grosseria de minha parte. Agora você conhece um dos segredos da felicidade: você constrói sua felicidade a partir daquilo que você pensa, daquilo que sua vontade direciona sua vida. Você é aquilo que se projeta ser, e você projeta seu ser por meio do seu pensamento e sua vontade. Isso implica você é aquilo que você projeta sua vontade, e que sua vida é como seus pensamentos são. Por isso eu sempre digo: pensamento positivo! Se você pensa coisas boas, coisas boas virão ao seu encontro; se você pensa em justiça, a justiça virá. Mas se o medo e o desespero estão em seu pensamento, o medo e o desespero serão atraídos para sua vida.
Com isso tudo eu quero dizer algo muito simples e, como toda coisa simples, complexa demais para ser vista sem a ajuda de uma outra pessoa: você e a aparência de realidade são tais como sua mente e sua vontade projetam. Há uma diferença muito importante entre você e a aparência de realidade serem projetos da mente e da vontade e você e a aparência de realidade serem tais como a mente e a vontade desejam. No primeiro caso se verifica um processo de construção, um encadeamento lógico de causas que culminam em uma única conseqüência derivada logicamente das causas dadas; no segundo caso se verifica uma manifestação direta (e, portanto, sem bases lógicas) de uma opinião ou um querer que nem sempre é possível. Por exemplo, toda criança um dia quis ser astronauta, caubói, o Super-Homem, ou qualquer outra coisa do tipo – e quase nenhuma delas realizou seus desejos. Somos projetados por nós mesmos, e assim o é, também, a aparência de realidade.
Concluindo essa pequena amolação, digo simplesmente que não são os males que nos atingem, mas nós que nos cercamos deles. Para eliminá-los, devemos antes reconhecer que um dos segredos da felicidade está nessa capacidade de projetar a si mesmo e a aparência de realidade em que vive, capacidade essa inata a qualquer ser capaz de perceber a realidade. Só a partir disso seremos capazes de projetarmos a nós mesmos e um mundo tal como quisermos.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Agora eu sou de fato sindicalizado!!!

Só para compartilhar minha alegria com vocês: finalmente saiu minha carteirinha de membro do SINTUFRJ, o que me garante, entre outros direitos, poder entrar em greve na hora que eu quiser [risos]...

terça-feira, 3 de abril de 2007

Educadores são seres engraçados...

Hoje começaram as aulas na UERJ, a intituição em que tenho o prazer (e às vezes o desprazer) de estar cursando meu bacharelado e minha licenciatura em Filosofia. Esse meu primeiro dia foi do porreta, como se diz por aí, e decidi compartilhar algumas passagens interessantes sobre ele com todos vocês. AVISO: se você acredita em caras como Paulo Freire, Piaget e esses caras esquisitos e ícones da Pedagogia, não leia este texto. Procure algo melhor para fazer, como, por exemplo, tentar lamber um de seus cotovelos.
A primeira aula com certeza valerá mais pela professora (um doce de pessoa) do que pelo tema: Avaliação da Aprendizagem. "Pronto", pensei antes de sair de casa para trabalhar, "vou arranjar problemas". Tudo bem, saí do trabalho e cheguei uma hora antes do início da aula. Após descobrir onde seria o memorável evento, eu percebi que estava cansado e decidi tirar um cochilo em um banco (desses de praça) estrategicamente colocado em frente à porta da sala. "Sob medida", eu pensei na hora. Pus o celular para despertar (mesmo sabendo que eu acordo sozinho quando eu quero) e fui jogar uma partida de xadrez com Morpheus.
Acordei no exato instante em que a professora entrava em sala de aula. Peguei minhas coisas e fui atrás, com toda a discrição que eu tenho (a mesma de um elefante em uma loja de louças). Meu primeiro ato em sala de aula foi puxar uma cadeira, pô-la na minha frente e colocar tanto minha mochila quanto meus pés nela. Eu estava ainda acordando quando a professora se manifesta olhando para mim:
- Era você quem estava dormindo no banco?
Pela pergunta, julguei que ela falasse de mim.
- Sim, professora. Cheguei cedo, e decidi passar o tempo de alguma forma.
Ela se apresentou para a turma e (como todo bom pedagogo) fez com que cada um se apresentasse aos demais. Nada contra, é preciso dizer isso, mas a cena tornou-se memorável quando ela olhou para mim e disse:
- Você é de Filosofia, não precisa nem dizer. Você tem cara de quem faz Filosofia.
"Legal", eu pensei. "Agora todo mundo compra o livro apenas olhando pra capa neste bodega de instituição." Mas o pior que eu não podia dizer que não, já que eu realmente faço Filosofia. Disse meu nome e a aula começou.
Foi uma dinâmica de grupo que eu achei interessante, até: ela distribuiu umas figuras para a turma e pediu que analisássemos a que tivéssemos recebido e a relacionasse de alguma forma com Avaliação de Aprendizado. Recebi uma figura que na verdade era dois quadrinhos: o primeiro mostrava a clássica cena do flautista que com sua música enfeitiçava os ratos para segui-lo; a outra mostrava que a massa de ratos que o flautista conduzira estava sendo encaminhada para uma toca por uns outros poucos ratos e que um rato dava um pedaço de queijo ao flautista, em nítido sinal de agradecimento. "Pronto, o lado cáustico vai se manifestar com força - logo aqui na aula de Avaliação..."
Eu devo ter ficado nervoso, pois a professora notou e perguntou se eu havia acabado.
- Professora, eu respondi. Acabar, eu acabei, mas estou refazendo pois minha resposta ficou muito cáustica.
- Não tem problema, ela disse.
- Eu tenho mesmo carté blanché?, perguntei.
- Tem.
"Foi ela quem pediu", pensei, e aguardei minha hora de falar.
Chegou minha vez. Não me lembro do discurso que eu fiz na hora, mas eu expliquei a imagética (inclusive como ela levava a pensar que os ratos estavam sendo avaliados de alguma forma, quando na verdade o avaliado foi o flautista) e concluí dizendo que a função da Avaliação é recompensar aqueles que se comportam dentro dos padrões comportamentais institucionalizados em uma sociedade. Foi o que bastou para o circo pegar fogo.
Teve uma aluna de Letras que subiu nas tamancas e começou a quase gritar coisas como "não é possível que se pense uma coisa dessas", "a avaliação serve de estímulo para o aluno estudar", e por aí vai. Deixei até de lado essa abordagem da questão da recompensa que ela fez; se eu falasse algo sobre isso, eu acabaria dando uma aula no lugar da professora, e eu decidi não fazer isso porque eu me simpatizei com ela.
- Como todo bom wittgensteiniano, retorqui, faço aqui uma simples pergunta: podemos atingir a mente de uma pessoa para saber se ela nos entendeu? Não, e é bem óbvia essa resposta: nenhum de nós é telepata. Assim sendo, só podemos ter uma crença no entendimento, pois não há provas racionalmente válidas de que de fato houve entendimento, baseando-nos no comportamento do nosso interlocutor perante nossas frases: se ele se comporta como nós esperamos, acreditamos que ele entendeu; e se ele se comporta fora desse padrão que estabelecemos, acreditamos que ele não entendeu. Assim se concretiza a impossibilidade de avaliar o aprendizado (isto é, o entendimento) do aluno, pois não podemos saber de fato o que ele entendeu. Podemos, isso sim, avaliar o comportamento dele - mas o que isso é senão aprovar os comportamentos que esperamos que o aluno tenha e condenar os demais?
O circo pegou fogo até o fim da aula, e sei que nunca vou sair com essa garota (que, por sua vez, é muito bonita). Sim, eu arranjei problemas na minha primeira aula do ano...

Na segunda aula do dia, mais um tema interessante: Prática de Ensino. Bonito, eis uma coisa que eu adoro ver: eles vão ensinar coisas maravilhosas sobre educação mas que nunca poderemos usar. Marcelo, eis o nome da figura que vai dar aula disso. Gente boa, sinceramente; mas olhem para o site dele (www.marceloabreuuerj.pro.br) e me digam o que vocês pensam disso...
Eu perdi o início da aula (na verdade, metade, pois o professor encerrou um pouco antes das 22h), pois preferi ficar conversando com uma mina que eu acho maravilhosa, inteligente e fascinante, casaria com ela na hora se ela pedisse - mas ela é casada e (para piorar tudo) acha que eu a odeio; se ela soubesse... Mas enfim, fui eu para a aula da criança acima e ele simplesmente passou toda a burocracia necessária para se conseguir um estágio de licenciatura - sempre repetindo a frase: "eu odeio burocracia". Tentei passar uma postura séria, ele parece ser um daqueles intelectuerdas que infestam as faculdades públicas, mas não sei se vou conseguir essa proeza por muito tempo. Quem viver verá.

domingo, 1 de abril de 2007

A capa do livro

Não adianta: por mais que se fale, as pessoas insistem em comprar o livro pela capa... Talvez por isso ninguém leve este blog ou seu escritor à sério...

A re-feudalização do ocidente

Vivemos mesmo sob a sombra gloriosa do Império Romano do Ocidente. Se aparece um grande líder, ele é um Augusto; se aparece um grande revolucionário, ele é Espátarco; se aparece um grande general, é César que reencarna. Mas não é essa questão que me incomoda agora, mas sim uma outra.
Finalmente eu descobri a função dos historiadores: olhar para o passado e fazer as comparações com o presente. Foi durante uma conversa com minha irmã, durante a qual ela me solta a pedrada: "o ocidente está passando por uma re-feudalização".
- Por que raios você diz isso?, perguntei.
- É muito simples, ela responde. Lembra o que aconteceu no último século do Império Romano do Ocidente?
- Sim: as pessoas estavam indo morar nas propriedades dos senhores de terras, pois o Estado estava mal das pernas e não garantia a proteção delas contra os germanos. Isso foi a base do sistema feudal.
- Exato. E o que vemos nos dias de hoje?
Eu parei pra pensar por alguns minutinhos. Lembrei das grades que as pessoas são obrigadas a ter em suas janelas para defenderem seus bens, do Estado que é incapaz de fazer algo a respeito. Lembrei de uma matéria que eu li em um jornal há alguns dias que dizia que crianças da Zona Sul do Rio de Janeiro ia para suas escolas em vans fechadas (blindadas?) porque seus pais tinham medo da violência das ruas. Tudo bem que se vive uma guerra civil não-declarada na cidade, mas ainda não se chegou a esse ponto.
Então eu me lembrei de uma das máximas de César: dividet et imperatur (divide e conquista, usada durante a campanha da Gália). Aprofunde ao máximo possível todas as diferenças entre um povo e sente-se para assistir aos atritos de camarote, comendo pipocas e rindo de todo o caos gerado. Aí eu pensei: "a globalização não integra porcaria nenhuma, e sim aprofunda as diferenças internas de um povo!" Estendi minha mente para tentar abranger em meu raciocínio todo o mundo ocidental (quem me conhece sabe que eu desconsidero a existência do oriente em meus pensamentos) e vi que as vacas lá de fora têm o mesmo nome das nossas e produzem o mesmo leite. Simplesmente as fronteiras sociais e culturais estão sendo cada vez mais alargadas, e eu não quero imaginar quais interesses de qual César estão sendo atendidos com isso.
Fui obrigado a responder:
- A re-feudalização do ocidente.

Dia da mentira - atendendo aos pedidos

Mais uma data para se celebrar a estupidez humana, é o que se pode pensar logo de cara. Afinal, sempre quando alguém pede uma opinião nossa encarnamos o moralista conservador, aquele cara que participou de todos os movimentos como Deus, Pátria e Família ou similares, vota no DEM (antigo PFL) e acha caras como Carlos Lacerda, Plínio Salgado, Pinheiro Machado, Getúlio Vargas, César Maia e Antônio Carlos Magalhães são exemplos para todos os homens de todos os tempos. E uma coisa que uma pessoa moralista de súbito rejeita é a mentira, pois a existência dela nega toda e qualquer possibilidade de edificação de uma sociedade justa, boa, adequada ou qualquer coisa desse tipo que a extrema direita tenha a dizer.
Mas levemos nossa análise a um ponto mais profundo. Não quero saber desses moralismos, pois a Filosofia me pôs além do bem e do mal, agora vivo no reino do necesário e do possível. Quero saber dos fatos, dos estados de coisas atualizados dos quais se consiste a realidade. Em outras palavras, o que raios é a mentira? A quebra de valores de uma sociedade doente e depravada, travestida de justa e perfeita? A sinalização de que uma pessoa não é confiável em uma sociedade hipócrita? É o fim de um contrato social que beneficia apenas os grandes signatários em prejuízo da massa menos poderosa? O que é a mentira, afinal de contas?
Costumo dizer que são três as virtudes sociais, isto é, aquelas virtudes sem as quais não se pode haver vida social: uma delas é a mentira; as outras são o sarcasmo e a hipocrisia. Sem essas virtudes, nada feito - você será um pária na sociedade e ninguém vai se incomodar com isso. Pratique-as regularmente e você será um deus, um guia genial dos povos. Eu não conheço nenhuma pessoa honesta que realmente tenha se dado bem na vida, assim como eu conheço vários canalhas que hoje têm mais do que consiguirão gastar em toda a sua existência. E não falo apenas de dinheiro: falo de bens como um todo e bens incomensuráveis, como favores devidos e coisas afins.
Mas a mentira é a maior de todas essas virtudes, pois ela regula o funcionamento das outras duas. Você não consegue sarcasmo se não dominar os mecanismos que tornam uma mentira eficiente, e não precisamos explicar qual é a relação entre mentira e hipocrisia. Eu reforço um detalhe muito importante aqui: sem mentira não existe a possibilidade de vida em sociedade!

Realmente, viva o dia da mentira, o dia em que comemoramos a possibilidade de vida em sociedade!
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